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  • Foto do escritorMaylton Fernandes

Entrevista: Professora Dra. Juliene Pedrosa (UFPB)

Entrevista realizada por: Darluzi Ehle, Manuela Macena e Roma de Castro (Letras - UFPB)


1. Existe, dentro da linguística, um número de subáreas para se escolher, assim como linhas de pesquisas. Quais motivos lhe levaram a escolher a Sociolinguística? Pode contar um pouco da sua trajetória acadêmica até chegar aqui?


O meu interesse pela Sociolinguística surgiu ainda na Graduação. Assisti a uma palestra ministrada pelo Prof. Dr. Dermeval da Hora, durante uma Semana de Letras na UFPB. Achei muito interessante a exposição feita por ele, mostrando uma teoria que buscava unir em suas pesquisas aspectos linguísticos e extralinguísticos. Como estava no primeiro semestre, ainda estava construindo meus conhecimentos sobre as teorias linguísticas, mas não hesitei quando tive a oportunidade de participar da seleção para bolsista do grupo de pesquisa do Projeto Variação Linguística no Estado da Paraíba (VALPB). Desde então, continuei pesquisando na área da Sociolinguística Variacionista, tanto no mestrado como no doutorado. E, mesmo quando me tornei docente na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB – Guarabira) e na Universidade Federal da Paraíba (UFPB – João Pessoa), busquei desenvolver meus projetos nessa área. Hoje, além de atuar com a pesquisa variacionista, busco trabalhar as contribuições que essa teoria oferece ao ensino de língua.


2. O que cabe a Sociolinguística Variacionista apurar em suas pesquisas? Poderia dar uma explicação breve sobre a Sociolinguística que seja compreensiva para pessoas que não são do ambiente acadêmico linguístico?


A Sociolinguística Variacionista busca relacionar os fatores linguísticos (fonológicos, morfológicos, sintáticos, semânticos) e extralinguísticos (faixa etária, anos de escolarização etc.) que influenciam nos processos variáveis das línguas. Desta forma, objetiva identificar e quantificar quais os fatores que determinam o processo variável estudado, promovendo, assim, uma descrição deles. Podemos utilizar como exemplo a concordância sujeito-verbo: ‘Os meninos chegam hoje’. A variável é o processo analisado, ou seja, a concordância sujeito-verbo, e as variantes são a presença (os meninos chegam) ou a ausência da concordância (os meninos chegaO). É importante salientar que vários fatores linguísticos e extralinguísticos determinam o uso de cada uma das variantes e é por isso que se tem de controlar e verificar a frequência de uso de cada uma delas e correlação com esses fatores através de programas estatísticos específicos para isso.


3. A Sociolinguística é uma área relativamente nova em comparação a outras áreas, por conta da própria Linguística ser recente. Você acredita que ela deveria ser mais abordada em ambiente acadêmico e no dia-a-dia? Quais dificuldades são encontradas na incorporação da Sociolinguística no ensino?


Com certeza, a Sociolinguística deveria ser mais abordada no ambiente acadêmico, em todos os níveis de ensino. Mas há muita restrição em aplicar essa teoria ao ensino, principalmente no ensino Infantil, Fundamental e Médio, devido à visão equivocada de que apenas uma norma, a padrão, deve ser trabalhada em sala.


4. Qual a importância do tratamento estatístico para analisar variações e variáveis e como as variáveis não linguísticas influenciam ao analisar dados linguísticos?


O uso de tratamento estatístico para os dados coletados é de fundamental importância para se determinar a frequência de uso das variantes e dos fatores que as condicionam, sendo, inclusive, a base para análise sociolinguística quantitativa.


5. Apesar de a Linguística ter “nascido” há mais de cem anos, foi apenas nos anos sessenta que Labov viria a criar uma metodologia e uma teoria da variação, focando no fator social da língua. A metodologia proposta por ele evoluiu ou se alterou de alguma maneira? Se sim, por quê?


Sim. Observamos que o próprio Labov ampliou a metodologia da coleta de dados para além da entrevista sociolinguística, assim como a amostragem dos informantes.


6. Como são coletados os dados e é feita a análise na perspectiva da fonética e fonologia e como são selecionados os falantes? Como é o contato com eles?


Para analisar os processos fonético-fonológicos variáveis, a coleta de dados é feita através de entrevista, leitura de texto, resposta a estímulos visuais ou auditivos. A seleção dos falantes/informantes é realizada através da estratificação social, que se molda a depender do objetivo pretendido na pesquisa. E o contato com esses falantes/informantes é feito por meio um membro da comunidade e depois, através de um segundo contato para preenchimento de um questionário social, obtém-se informações importantes sobre o perfil social deles.


7. “No estudo de algumas variações fonológicas, as diferenças constatadas na linguagem de homens e mulheres foram muitas vezes atribuídas a diferenças no aparelho vocal. Você concorda que diferenças linguísticas entre os sexos possam ser devidas às diferenças biológicas?” (Retirado de Introdução à Sociolinguística: o tratamento da variação, 2017, p. 42)


Concordo em partes. Não se pode falar em análise sociolinguística sem levar em consideração os vários fatores que influenciam o uso linguístico, dessa forma, fatores biológicos, cognitivos, sociais e culturais condicionam os processos. Por isso, não se pode descartar os fatores orgânicos, mas também não se pode atribuir apenas a eles o papel condicionador.


8. Cabe ao sociolinguista detectar se há uma mudança linguística em progresso? Se sim, quais os artifícios necessários para que tal observação seja feita? E como detectar se tal mudança tem tendências a continuar ou não, se possível?


Sim, o sociolinguista tem como um dos seus objetivos identificar em que estágio o processo variável se encontra, se em variação estável ou se em mudança em progresso. Para tanto, é importante a análise dos fatores sociais, principalmente a faixa etária. Um indício de que a variação está estável é quando tanto os jovens quanto os mais velhos utilizam as formas variantes (antiga e inovadora) em uma mesma proporção. Já a mudança em progresso é observada quando a variante inovadora é utilizada com mais frequência pelos falantes mais jovens, indicando que a variante mais antiga está mais restrita aos informantes mais velhos e, por isso, com tendência a ser substituída.


9. Quais são os softwares mais usados dentro das pesquisas sociolinguísticas? Existe algum que seja específico para a análise fonológica?


Para o tratamento estatístico, há o VARBRUL (desde a versão para ambiente MS-DOS à versão para ambiente Windows) e o R. Para análise acústica, há o PRAAT e o ELAN.


10. Em nossas pesquisas, apuramos que o preconceito linguístico é um assunto muito discutido, pois ainda somos regidos de práticas pedagógicas dualistas, onde existe o certo e o errado na língua, denominando um padrão culto. Como devemos abordar a questão do preconceito linguístico dentro das escolas e devemos combater a noção do “certo” e do “errado” na língua?


Acredito que o primeiro ponto a ser apresentado é que as formas linguísticas não carregam em si nenhum valor positivo ou negativo, que esses julgamentos são atribuídos às formas linguísticas a depender de quem as produz. Entender que o preconceito linguístico é o reflexo linguístico de um julgamento e pré-conceito social, gerando distanciamento e não aceitação às formas linguísticas que representam pessoas e grupos. A melhor forma de desfazer o preconceito linguístico é aproximar-se de todas as formas linguísticas, inclusive das estigmatizadas, mostrando seu uso, sua adequabilidade e sistematização. Dessa forma, tem-se a substituição da visão maniqueísta de certo e errado para uma visão de adequabilidade linguística.


11. A sociolinguística, assim como o funcionalismo e as teorias que focam mais no uso social da língua, nasceu como uma ruptura à linguística estruturalista, já que esta não conseguia cobrir os aspectos aqui mencionados. Você acredita que, dentro do modelo sociolinguístico atual, existem pontos a serem melhorados ou ele deixa lacunas importantes, assim como o estruturalismo, que a sociolinguística não consegue cobrir? Se sim, quais são elas, na sua opinião?


Toda teoria reflete uma construção de conhecimentos, que inicia antes mesmo de ela existir com as contribuições das teorias que a antecederam e permeia as teorias que a seguem. Então, não considero a Sociolinguística como uma ruptura ao Estruturalismo, mas sim como uma teoria que avançou na busca de sistematizar os aspectos heterogêneos da língua. Ressalto, inclusive, que muitas descrições estruturalistas do aspecto homogêneo da língua servem de base para a análise sociolinguística, que acrescentou os fatores extralinguísticos em suas análises. Acredito também que, por mais que essa teoria esteja correspondendo à minha expectativa em relação aos processos analisados por meio dela, dar conta do contexto extralinguístico sempre pede outras formas de observação, outras maneiras de abordagem. Dessa forma, não considero que existam lacunas importantes a serem sanadas, mas acredito que a própria essência da teoria sociolinguística revela-a como uma teoria aberta a “casamentos” teóricos para melhor dar conta dos processos analisados.


12. Em sua dissertação mestrado você aborda a posição do sujeito em relação ao verbo nas frases dentro da fala pessoense. Poderia comentar como decidiu estudar esse objeto de pesquisa e como foi sua experiência durante as pesquisas? Alguma surpresa ou tudo ocorreu dentro do esperado?


Sempre tive o interesse pelos estudos sintáticos, então, no mestrado, resolvi trabalhar sobre a ordem sujeito-verbo na fala pessoense. Mas, desde o início, sabia que teria de ter muito cuidado em definir meu objeto de estudo. A identificação das variantes sintáticas não é uma tarefa muito fácil, inclusive há toda uma discussão teórica dentro da Sociolinguística sobre isso. Diante desse aspecto, tive alguns contratempos, mas que foram resolvidos no desenvolver do trabalho.


13. Como são as pesquisas em Sociolinguísticas dentro da Universidade Federal da Paraíba? Qual é a metodologia e teoria predominante dentro da área na UFPB?


Temos um grupo bem atuante. O Projeto VALPB foi implantado pelo Prof. Dr. Dermeval da Hora em 1994 e, desde então, vem produzindo muitos frutos: pesquisas de Iniciação Científica, Mestrado e Doutorado. A Sociolinguística Variacionista é predominante nesses estudos, sendo utilizada na maioria dos trabalhos realizados.


14. Que palavras você poderia deixar para os alunos e professores iniciantes interessados em fazer pesquisa em Sociolinguística?


Incentivo a todos que tiverem o interesse na área, pois é um campo muito instigante. Isso porque, ao permitir um mapeamento dos processos linguísticos variáveis, a Sociolinguística consolida a identidade linguística dos falantes, fortalece o respeito a cada uma das variantes e, consequentemente, minimiza o preconceito linguístico. Além de fornecer contribuições efetivas para o ensino de língua sob uma perspectiva de uso. Dito isso, reforço que não há como não se apaixonar pela Sociolinguística!

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Agradecemos à professoa Drª. Juliene Pedrosa pela disponibilidade em responder nossas perguntas.

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