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Entrevista: Professor Dr. Rubens Marques de Lucena (UFPB)

Entrevista realizada por: Darluzi Ehle, Manuela Macena e Roma de Castro (Letras - UFPB)


1. Existe, dentro da linguística, um número de subáreas para se escolher, assim como linhas de pesquisas. Quais motivos lhe levaram a escolher a Sociolinguística? Pode contar um pouco da sua trajetória acadêmica até chegar aqui?


Comecei minha trajetória acadêmica na UFPB no curso de Direito, em 1992. Ao longo dos cinco anos da graduação, fui percebendo que a área não me satisfazia pessoal e profissionalmente. No entanto, não abandonei o curso e me formei em 1996. Acredito que essa primeira formação foi importante para me preparar academicamente para o que eu realmente queria estudar. Em 1996, já formado, resolvi estudar Letras, afinal as línguas estrangeiras e a literatura, de um modo geral, sempre estiveram muito presentes na minha trajetória de vida. Em 1998, ingressei no grupo de pesquisa do VALPB (Projeto Variação Linguística no Estado da Paraíba), coordenado pelo Professor Dermeval da Hora, de onde nunca mais saí; a partir daí, o Mestrado e o Doutorado foram caminhos naturais. Em 2004, ingressei na Universidade Estadual da Paraíba, como professor efetivo de Língua Inglesa e permaneci por lá até 2008, quando prestei concurso para professor efetivo do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas na UFPB. No mesmo ano, ingressei no quadro de professores permanentes do Programa de Pós-Graduação em Linguística (PROLING), onde estou desde então.


2. O que cabe a Sociolinguística Variacionista apurar em suas pesquisas? Poderia dar uma explicação breve sobre a Sociolinguística que seja compreensiva para pessoas que não são do ambiente acadêmico linguístico?


A sociolinguística procura estabelecer um paralelo entre a língua e a sociedade. Ela parte do pressuposto que a língua é influenciada pelas mais diversas forças sociais presentes em uma comunidade (idade, gênero, profissão, classe social, etc.) e de que é possível compreender os diversos fenômenos da linguagem a partir das relações sociais de seus falantes. Para Labov, a língua tem uma natureza inerentemente heterogênea e variável, porém passível de ser analisada sistematicamente; é apenas através da análise das influências de fatores internos (linguísticos) e externos (extralinguísticos) que podemos compreender satisfatoriamente toda a complexidade dos processos linguísticos. Hoje em dia, a sociolinguística se debruça sobre os mais diversos aspectos da relação língua-sociedade, focando processos como bilinguismo, diglossia, alternância de código, contato linguístico, variação e mudança linguística, dentre outros.


3. A Sociolinguística é uma área relativamente nova em comparação a outras áreas, por conta da própria Linguística ser recente. Você acredita que ela deveria ser mais abordada em ambiente acadêmicos e no dia-a-dia? Quais dificuldades são encontradas na incorporação da Sociolinguística no ensino?


Se pensarmos na sociolinguística como área sistematizada da linguística, podemos afirmar que é relativamente nova e que seu início teria começado nos anos 60 do século passado, a partir dos estudos sistemáticos de Labov e colaboradores. No entanto, se partirmos dos questionamentos de que língua e sociedade são termos relacionados e que se autoinfluenciam, a sociolinguística nasce já nas primeiras discussões sobre a ciência da linguagem e até mesmo antes, a partir da própria filosofia. O próprio Labov relutou muito a respeito do termo sociolinguística, pois acreditava que toda linguística é essencialmente social. Acredito que, hoje em dia, o estudo da variação linguística já tem um lugar assegurado nos ambientes acadêmicos e no ensino de línguas materna e estrangeira. A despeito de toda uma resistência que ainda existe por um ensino ainda ancorado na língua padrão, a variação linguística já se faz cada vez mais presente nos livros didáticos e nos textos oficiais das diretrizes educacionais. Isso não significa, no entanto, que ainda não haja muito por fazer: a discussão da discussão da variação e do preconceito linguístico na escola ainda tem muito para oferecer ao contexto escolar.


4. Qual a importância do tratamento estatístico para analisar variações e variáveis e como as variáveis não linguísticas influenciam ao analisar dados linguísticos?


O tratamento estatístico serve apenas como um instrumento para a interpretação do linguista. É só a partir da interpretação linguística que os dados estatísticos adquirem um significado e podem confirmar ou refutar hipóteses aventadas pelo pesquisador. Nesse sentido, o apoio de tratamento estatístico é crucial, pois permite que tiremos conclusões a partir de um terreno mais estável e menos enviesado. As variáveis não linguísticas têm um peso distinto a depender do fenômeno em estudo; não podemos afirmar de antemão qual o valor que cada variável terá no processo de descrição de uma variante linguística. No início, tudo é hipótese.


5. Apesar da Linguística ter “nascido” há mais de cem anos, foi apenas nos anos sessenta que Labov viria a criar uma metodologia e uma teoria da variação, focando no fator social da língua. A metodologia proposta por ele evoluiu ou se alterou de alguma maneira? Se sim, por quê?


Sim. Labov foi um precursor da sistematização da sociolinguística, mas houve outros antes dele. Além isso, de lá para cá, muitos desdobramentos aconteceram. Hoje em dia, cada vez mais as pesquisas têm um foco mais voltado para a análise qualitativa. O próprio paradigma laboviano da variação da fala a partir do grau de monitoramento ou de atenção do falante foi questionado por outros pesquisadores, como Giles (1973). Abordarei essas tendências mais adiante.


6. Como são coletados os dados e feita a análise na perspectiva da fonética e fonologia e como são selecionados os falantes? Como é o contato com eles?


O primeiro contato com os informantes de uma pesquisa deve ser realizado sempre através de terceiros, que já tenham familiaridade com a comunidade, para minimizar o estranhamento da presença do pesquisador. Isso nem sempre é fácil, mas é o que se deve perseguir numa pesquisa sociolinguística. A recolha dos dados deve ser realizada levando-se em conta de que existe um problema metodológico inerente à própria pesquisa sociolinguística: Labov denominou este problema de “paradoxo do observador”. Para ele, a pesquisa sociolinguística busca os dados mais naturais possíveis (o vernáculo do falante), porém através de uma metodologia que, a princípio, não é tão natural: a “entrevista sociolinguística”. Coloco o termo entre aspas porque o próprio Labov afirma que a interação pesquisador-informante deveria ser tudo, exceto uma “entrevista”. Assim, é preciso ter cuidado para minimizar ao máximo o paradoxo do observador, pensando a interação através de módulos que conduzam o informante a se sentir menos monitorado e de maneira a que ele fale sobre assuntos com os quais se sinta tão à vontade que se esqueça de que está sendo observado.


7. “No estudo de algumas variações fonológicas, as diferenças constatadas na linguagem de homens e mulheres foram muitas vezes atribuídas a diferenças no aparelho vocal. Você concorda que diferenças linguísticas entre os sexos possam ser devidas às diferenças biológicas?”(Retirado de Introdução à Sociolinguística: o tratamento da variação, 2017, p. 42)


Não, não acredito em diferenças linguísticas condicionadas pelo sexo biológico, a não ser que estejamos falando em característica físicas da voz, o que não me parece ser objeto de estudo da sociolinguística num primeiro momento. O que talvez ainda exista, cada vez mais de forma residual, é uma diferença linguística condicionada pelo papel social que os falantes desempenham ou têm desempenhado na sociedade (papéis esses que vêm se modificando consideravelmente nos últimos anos). De fato, muitos estudos sociolinguísticos da segunda metade do século passado mostravam que a fala da mulher era mais suscetível à gramática normativa e que havia menos variação. Os estudos mais recentes mostram que há uma convergência cada vez mais acentuada entre os gêneros. Além disso, tem havido um maior questionamento por parte dos pesquisadores a respeito da maneira de como controlar essa variável nos estudos sociolinguísticos. A resposta não parece ser tão simples.


8. Cabe ao sociolinguista detectar se há uma mudança linguística em progresso? Se sim, quais os artifícios necessários para que tal observação seja feita? E como detectar se tal mudança tem tendências a continuar ou não, se possível?


Sim, a identificação da mudança em progresso é um dos objetivos da Teoria da Variação e Mudança Linguística proposta por Labov. Há duas possibilidades de ela ser observada: através da análise em tempo real ou através da análise em tempo aparente. A análise em tempo real envolve a recolha de dados da mesma comunidade em recortes temporais distintos. Assim, se o pesquisador recolhe dados numa mesma localidade com um lapso temporal de vinte anos, por exemplo, ele está fazendo uma análise em tempo real. Outra possibilidade de isso ser observado é através do recorte da amostra por faixa etária. Segundo os postulados propostos por Labov, depois de uma determinada idade, o falante estabiliza o seu falar. Assim, a partir das diferentes características da fala de jovens e idosos, seria possível identificar uma mudança em progresso, caso os jovens começassem a divergir do falar dos mais idosos.


9. Quais são os softwares mais usados dentro das pesquisas sociolinguísticas? Existe algum que seja específico para a análise fonológica?


Hoje em dia o Goldvarb e o Rbrul, programas de análise multivariada e de regressão logística, são os softwares mais utilizados em pesquisas sociolinguísticas. Alguns pesquisadores preferem utilizar o Rbrul pelo fato de ele poder explorar o uso de variáveis contínuas ou de analisar o papel do indivíduo na variação, o que seria mais problemático através do Goldvarb, mas não de todo impossível. Não há, no entanto, nenhum software que realize análise fonológica. O que há são softwares de análise acústica e síntese da fala, como o Praat, que permite que exploremos o som do ponto de visto físico, através de parâmetros como frequência, comprimento, intensidade, etc. Nesse sentido, ele é também de grande relevância para o estudo da variação linguística, sobretudo quando nosso enfoque é a variação fonético-fonológica.


10. Em nossas pesquisas, apuramos que o preconceito linguístico é um assunto muito discutido, pois ainda somos regidos de práticas pedagógicas dualistas, onde existe o certo e o errado na língua, denominando um padrão culto. Como devemos abordar a questão do preconceito linguístico dentro das escolas e devemos combater a noção do “certo” e do “errado” na língua?


No meu entender, tudo passa pela formação do profissional que irá lidar com língua e linguagem na escola. Antes de mais nada, é preciso compreender que o que chamamos de “gramática normativa” é apenas um dos muitos aspectos do fenômeno da linguagem. Fazer o aluno compreender que em diversos momentos de sua vida ele deverá ser capaz de dominar esse aspecto da linguagem é importante, mas não é suficiente. Além de trabalhar essa “vertente não vernácula” da língua (e que é absolutamente necessária), o aluno também deve ser instigado a assumir uma posição crítica em relação a seu próprio sistema linguístico: compreender a variação (em suas mais diversas manifestações) e a mudança, analisar a língua do ponto de vista estético, associá-la com outras formas de linguagens e assim por diante. Assumir o ensino de língua apenas como a aquisição do padrão culto é terrivelmente limitador. Para além da questão linguística, é importante reconhecer que o preconceito social também está ancorado em um prejuízo linguístico. Assim, fomentar discussões a respeito do papel das variantes linguísticas como catalizador de preconceitos sociais também deve ser uma atribuição dos professores de língua na escola.


11. A sociolinguística, assim como o funcionalismo e teorias que focam mais no uso social da língua, nasceram como uma ruptura à linguística estruturalista, já que esta não conseguia cobrir os aspectos aqui mencionados. Você acredita que, dentro do modelo sociolinguístico atual, existem pontos a serem melhorados ou ele deixa lacunas importantes, assim como o estruturalismo, que a sociolinguística não consegue cobrir? Se sim, quais são elas, na sua opinião?


Sim, toda e qualquer abordagem teórica surge a partir de um contraponto a pensamentos que a precederam e, como tal, não podem ser compreendidas de maneira isolada de seu contexto histórico. Assim, em sendo frutos do espírito de seu tempo, essas abordagens tendem a sofrer desgastes, sobretudo a partir do advento de novas perspectivas de análise dos fenômenos em pauta. No caso da sociolinguística, isso é ainda mais forte, já que seu foco é a relação de dois objetos organicamente dinâmicos: a língua e a sociedade. São muitas lacunas deixadas pela Teoria da Variação e Mudança Linguística, mas exemplificarei com o ponto abordado na pergunta 7: o controle da variável gênero nos estudos de variação linguística.


12. Que palavras você poderia deixar para os alunos e professores iniciantes interessados em fazer pesquisa em Sociolinguística?


Gostaria de dizer que a sociolinguística é uma área que envolve diferentes tipos de abordagens e que tem se mostrado de grande relevância para a compreensão da realidade multifacetada da linguagem. Além disso, é uma área que proporciona muita aplicação no processo de ensino e aprendizagem de língua materna e estrangeira. O trabalho de coleta de dados é árduo, mas os seus desdobramentos podem ser bastante compensadores. Sugiro que iniciem pela leitura de um livro clássico para quem tem interesse em enveredar pelos caminhos da variação linguística: “A pesquisa sociolinguística”, de Fernando Tarallo.


13. Poderia descrever o que é a acomodação dialetal e por que ela ocorre? Também

poderia nos dar um exemplo dela no contexto nordestino?


Em poucas palavras, e correndo o risco de uma descrição reducionista, a acomodação dialetal acontece quando o falante, com fins de ser aceito socialmente (ou qualquer outra pressão social), converge a sua maneira de falar à de seu interlocutor, processo esse denominado de “convergência”. O fenômeno se concretizaria a partir da adaptação de comportamentos linguísticos e extralinguísticos por parte do falante. Por outro lado, se o indivíduo evita uma aproximação ao interlocutor, tende a realçar as diferenças dialetais que os separam, processo denominado de “divergência”. Os primórdios da Teoria da Acomodação da Comunicação surgem a partir das primeiras publicações de Giles (1973). Em seus primeiros artigos, Giles critica alguns aspectos do paradigma laboviano, argumentando que o papel da formalidade-informalidade do contexto e o critério de “atenção à fala” (associados por Labov ao prestígio dos estilos de fala) poderiam ser interpretados como processos de acomodação interpessoal. Giles foca sua atenção para os fatores que estão envolvidos no processo de acomodação dialetal e para a influência de falantes sobre outros, fato que se exterioriza através do comportamento linguístico. Em outras palavras, a teoria propunha que a explicação através da “formalidade/informalidade do contexto” poderia ser substituída por uma interpretação em termos de influência interpessoal, por meio da convergência linguística de um falante. É difícil ter uma ideia clara do fenômeno com apenas um único aspecto da fala, mas poderíamos exemplificar com um falante de um dialeto brasileiro caracterizado pela não palatalização do /s/ em posição final de sílaba (coda silábica) que acomoda sua pronúncia diante um dialeto que apresente palatalização do /s/ diante de /t/ e /d/, como é o caso do falar de João Pessoa: fe[s]ta > fe [ʃ]ta.


14. Como se aborda as diferentes variações do inglês no ensino como L2 para nativos

brasileiros? Deve-se ensinar a variação inglesa culta? Se sim, não causaria um problema já que, assim como no Brasil, a língua falada muitas vezes se diferencia da culta?


A abordagem da variação do inglês no ensino de L2 deve ser parecida com a realizada em língua materna (abordada na questão 10): os alunos precisam desenvolver a consciência de que existem diversas variedades do inglês e de que não há razão para concentrar-se em um único falar. Nesse sentido, é importante expor o aluno ao maior número de variedades da língua, através de textos, input auditivo, etc. Além disso, no caso da aquisição de L2, é preciso também desmitificar a própria crença por parte dos aprendizes de que a pronúncia nativa é o ideal a ser alcançado. Trata-se de um objetivo irreal e que impõe uma carga ao aprendiz que pode frustrá-lo ao longo do processo de aprendizagem. A pronúncia nativa pode e deve ser encarada como um modelo, um paradigma, nunca como uma regra.


15. Durante as entrevistas feitas para as pesquisas, é possível notar alguma diferença

linguística na fala dos falantes conforme a entrevista se prolonga?


Sim, por uma série de razões pode haver uma mudança sensível na fala dos informantes ao longo da “estrevista”, sobretudo dependendo da maneira como a recolha desses dados é estruturada. A própria mudança no tópico da conversação pode ser um gatilho para a alteração na fala. A estrutura clássica de uma “entrevista” laboviana é pensada para induzir o falante a ater-se ao seu vernáculo, o que não é tão simples, pois trata-se, em teoria, de um método de coleta monitorado. É por isso é que tão importante estar sempre consciente do “paradoxo do observador” (abordado na questão 6).

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Agradecemos ao professor Dr. Rubens Lucena pela disponibilidade em responder nossas perguntas.

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