top of page

Entrevista: Professora Dra. Marianne Cavalcante

Entrevista realizada por:

Maria Elizabeth Silva de Brito, Maria Paula Pereira de Carvalho, Sarah Narranna dos Santos (Letras - UFPB)


1. Professora Mariannne, toda jornada acadêmica possui suas peculiaridades, com desafios e conquistas. Você poderia nos contar um pouco de como iniciou essa trajetória e quais acontecimentos fizeram com que você escolhesse a Psicolinguística como área de atuação?


Sou graduada em Comunicação Social, a linguística foi a mim apresentada através do prof. Luiz Antônio Marcuschi da UFPE, numa disciplina optativa que fiz no último período da graduação. Fiquei fascinada por tudo que a Linguística pode promover em relação à língua/linguagem: Marcuschi é pura fala, um Mestre no dizer, discorre sobre filosofia, sentido e significado, materialidade do texto, da impossível neutralidade da língua/linguagem. Após cursar a disciplina, decidi fazer Mestrado em Linguística. Uma das primeiras leituras que me impactou no Mestrado foram as relações entre língua e contexto social na obra de Malinovsky, nas palavras do autor:

Se nós anotarmos as palavras faladas lá e as tratarmos como um texto divorciado do seu contexto de ação e situação, as palavras poderiam obviamente permanecer sem sentido e fúteis. A fim de reconstruir o sentido de sons, é necessário descrever o comportamento corporal dos homens, para saber o propósito de sua ação concertada, bem como de sua sociologia (MALINOWSKI, 1935: 8).

Começo a compreender a necessidade pensar a língua/fala/palavra articulada ao seu contexto de ação e situação, através de sons e gestos. Em seguida faço uma disciplina na Psicologia Cognitiva – Psicologia do Desenvolvimento – a ontogênese e as relações com a cognição e começo a me interessar pela Psicolinguística e nela, em especial a Aquisição da Linguagem, meu lugar de pesquisa. Compreender a língua/fala/gesto articulados ao seu contexto de ação e situação, e, por conseguinte, a cultura em questão é o meu intuito. Assim, as pesquisas que venho desenvolvendo sempre transitam nessa relação, mesmo no microcosmo das relações mãe-bebê, meu objeto privilegiado ao longo de mais de vinte anos de pesquisa na área de Aquisição da Linguagem. Na minha pesquisa pessoal há alguns tópicos mais ou menos estáveis: a importância de tomar as situações de interação como fundamentais para a compreensão dos processos de aquisição da linguagem; compreender que nesses contextos temos produção de sentido no diálogo entre o adulto e o bebê; esse diálogo não se restringe ao que é “dito”: o corpo, a entoação, as trocas interativas constituem esse “dizer”; o que é partilhado e a forma de partilha estão submetidos história cultural dos interlocutores e só a partir dela pode ser compreendida.


2. Quais os conceitos indispensáveis para se entender a Psicolinguística, seus alcances e seus limites dentro dos estudos sobre a linguagem humana?


Por ser uma área híbrida, em que comparecem tanto a Linguística quanto a Psicologia, considero é preciso ter clareza da sempre presente inter-relação entre as áreas, assim, consideraremos na psicolinguística, aspectos da Cognição e sua articulação com a língua/linguagem. Tanto na perspectiva da produção quanto na perspectiva da sua percepção. E, por conseguinte, interessa e muito à psicolinguística, aspectos envolvendo a gênese da linguagem (sua aquisição). Conceitos imprescindíveis são língua/linguagem; cognição; percepção de fala e produção de fala. Mas tais conceitos não são únicos, eles estarão atrelados à vertente teórica que o psicolinguista esteja filiado.


3. A Psicolinguística surge com a união da Psicologia e da Linguística, convergindo para compreender os processos que ocorrem na comunicação humana, no processamento e na aquisição da linguagem. De que forma essa junção contribui em estudos de casos patológicos, associados à comunicação?


É de suma importância o papel da área nessa articulação, visto que os fenômenos patológicos e/ou distúrbios e/ou défict que têm seu sintoma nos processos de percepção/processamento/compreensão/produção no campo da língua/linguagem, precisam de um olhar híbrido acerca do fenômeno. Compreendendo os fenômenos linguísticos imbricados aos fenômenos cognitivos, é possível compreender o uso singular da linguagem e encontrar caminhos para seu acompanhamento/tratamento. Daí ser importante a sempre articulação com outras áreas como a neurologia, a fonoaudiologia, a psicologia. Assim é possível pesquisar, por exemplo: questões referentes à dislexia (perturbação na aprendizagem da leitura pela dificuldade de reconhecer correspondência entre símbolos gráficos e fonemas, e reproduzir a linguagem escrita), problemas decorrentes de do autismo, atrasos de linguagem (crianças que manifestam dificuldades no desenvolvimento da linguagem oral), afasias (diminuição ou perda quase total de habilidades lingüísticas, que decorrem de lesões cerebrais) etc.


4. Que possibilidades ou métodos a Psicolinguística traz para identificar fatores que dificultem a decodificação linguística?


Dependendo da vertente teórica há muitos métodos/possibilidades, dentre eles é possível destacar os trabalhos experimentais na área do processamento linguístico, com abordagens envolvendo o uso de equipamentos variados para mensurar atividade cerebral, movimento ocular, tempo de leitura e de resposta a questões no campo da linguagem, dentre outros. Também os trabalhos longitudinais que observam um determinado grupo e seu desenvolvimento ao longo do tempo, possibilitam compreender o processo envolvendo as dificuldades no âmbito da não só da decodificação linguística, mas do processo como um todo, mapeando as mudanças ocorridas num determinado período de tempo.


5. As articulações teóricas pensadas no início da Psicolinguística ainda são aplicáveis nos dias atuais, se sim, com quais mudanças?


Creio que se ampliaram e se especializaram, pois hoje, articulado à psicologia, como área inaugural, a psicolinguística se articula muito fortemente com as neurociências, com a fonoaudiologia, com as ciências computacionais e também com a educação. Um exemplo disso, é que na grade curricular do curso de Fonoaudiologia temos a disciplina Linguística Aplicada à Fonoaudiologia, que inclusive eu tenho lecionado. Também um reflexo disso é o perfil de orientandos de pesquisa que temos orientados em nossas pós-graduações que vêm dessas outras áreas.


6. Atualmente, tendo em vista os grandes avanços relacionados à aquisição da linguagem, o processamento e a cognição, quais as contribuições da Psicolinguística na interface com a educação?


Na educação, são inúmeros as questões em que a psicolinguística tem se inserido sistematicamente, no acompanhamento do processo tanto da Aquisição da Linguagem Oral como também na Aquisição da Escrita. Pois é na escola, que muitas dificuldades da ordem da percepção/processamento/compreensão/produção se manifestam, principalmente na infância. As dificuldades nessas aquisições se tornam salientes e a psicolinguística pode contribuir na explicação dos processos que estão ocorrendo e se, fazem parte do desenvolvimento ontogenético natural ou se apresentam discrepâncias em relação a essa naturalidade. Inclusive, temos projetos diretamente associados a esse tipo de trabalho como o ACERTA – da PUCRS, projeto nacional com foco nas dificuldades de leitura e escrita sob viés das neurociências e do processamento linguístico; as metodologias de Alfabetização desenvolvidas pela profa. Leonor Scliar Cabral (UFSC), que atua na Rede Municipal da cidade de Lagartos – SE, sob o viés da psicolinguística e do processamento; os programas de formação do Pacto pela Aprendizagem na Paraíba – SOMA, que atinge 219 municípios na Paraíba, coordenado pela profa. Evangelina Faria (UFPB), com participação de pesquisadores do PROLING- UFPB: Giorvan Anderson Alves, Isabelle Delgado e eu, que articula questões aquisicionais da escrita com os processos de letramento inicial escolar.


7. Quais dificuldades metodológicas um pesquisador da área da Psicolinguística pode encontrar no desenvolvimento de seus estudos?


O acesso aos equipamentos necessários para mensuração dos dados encontrados, quanto se trata de pesquisa experimental; clareza na perspectiva adotada e no arsenal necessário para o desenvolvimento da pesquisa e a disponibilidade dos sujeitos participantes, uma vez que lidamos com pessoas.


8. Sabendo que uma criança, em sua fase de aprendizagem, compreende ações e reações através da convivência em sociedade, como sucede, a partir de pesquisas feitas em sua área, para essa criança processar uma língua?


Nossa perspectiva tem como base a cognição social, tendo Michael Tomasello, Jerome Bruner e Vygotsky como principais autores. A língua se apresenta enquanto uma forma de ação social constituída de convenções sociais para fins sociais (TOMASELLO, 2006, p. 343). Nesse sentido, a comunicação humana depende de uma “infraestrutura cognitiva”, sendo possível por conta dessa capacidade de cooperação que os humanos desenvolveram. Tal capacidade permite que as ações ou as vocalizações assumam significados em comum entre os indivíduos.

A criança, desde suas primeiras interações ainda bebê, necessitaria incorporar um conhecimento implícito, a partir da interpretação do adulto interlocutor. Com base nas regularidades sociais presentes nos eventos de rotina da criança (a hora do banho, das refeições, das compras, ou de atividades de leitura), essas atividades entre o adulto e a criança exerceriam uma função pragmática, e as séries de ações rotinizadas favoreceriam uma base sólida para a aquisição de linguagem. Através da apreensão gradual, pela criança, dos esquemas de ação e atenção conjugados (andaimagem) e ilustrado com interações estruturadas, como nos jogos de rotina, entre outras atividades, a criança controe gradativa e progressivamente produções mais efetivas.

Interessa também compreender a língua enquanto instância multimodal, isto é, o sinal de fala não é o único elemento linguístico, trabalho com a perspectiva de uma matriz gesto-fala. Isto é, gesto e fala compõe a língua. A porta de entrada da criança para língua é uma estrutura prosódico-vocal. Seguimos a tese proposta por Scarpa (1999), a hipótese top-down de aquisição prosódica, segundo a qual a criança é atraída para a linguagem via prosódia e desde cedo trabalha com os níveis mais altos da hierarquia. Logo a entrada da criança, nas suas primeiras produções se dá entoacionalmente. Existem indícios apontados na literatura de aquisição da linguagem de que pistas prosódicas orientam a criança na percepção, no processamento da fala dirigida (ou não) a ela desde os primeiros meses de vida, bem como na interpretação dos enunciados da criança pelo adulto. Assim como o trabalho da criança é top-dow (do discurso/enunciado para os fonemas) do ponto de vista prosódico, transitando na tipologia acima apresentada, também a gestualidade se organiza desde muito cedo na criança com a presença de gesticulação – movimentos manuais que acompanham a fala - associada à fala jargonizada – produção entoacional sem sílabas reconhecíveis da língua materna - em idades bem precoces. Logo, o gesto precoce e a prosódia são funcionamentos iniciais e macro da língua, pois as marcas acentuais e gestuais são macro envelopes da língua a ser adquirida/processada. A aquisição assim se dará a partir de unidades discursivas e, ao longo do tempo, a criança em contextos interativos e sustentados pelo input do adulto vai decompondo e recompondo a matriz gesto-fala.


9. Quais considerações você poderia fazer a um iniciante interessado na área da Psicolinguística?


Que esteja aberto à compreensão de uma visão “mais larga” dos fenômenos linguísticos na interface com aspectos cognitivos “strito sensu” e linguístico-cognitivos, numa percepção da língua e daqueles que a usam enquanto um conjunto. Isto é, a psicolinguística possibilita compreender essas relações imbricadas entre língua-mente-cérebro.


10. Qual a questão que você considera central para a Psicolinguística em relação ao processo de ensino-aprendizagem da modalidade escrita das crianças e de que maneira isso pode repercutir em ações pedagógicas?


Compreender as questões imbricadas no processo de aquisição/aprendizagem da tecnologia escrita num ambiente específico – o escolar – e suas particularidades; levando em consideração que há questões envolvendo um novo sistema, o SEA – sistema de escrita alfabética – que segue regras distintas do sistema fonológico; além disso, também situar esse sistema numa prática social, isto é, para que e para quem estou escrevendo, em que gênero textual isso se materializará. Muitas entradas informacionais para gerenciar e duas ações concomintantes: a leitura e a escrita propriamente dita. É um desafio. O primeiro passo é compreender o que a criança faz, que etapas/rotas opta por seguir e como a escola reconhece essas etapas. Não é tarefa fácil, mas estamos tentando construir isso através de formação continuada de professores e acompanhando os alunos em sala de aula.


11. Quais testes psicolinguísticos foram aplicados com ajuda do aplicativo APP ATTENCION, utilizado em seu projeto “Atenção conjunta virtual: app ATTENTION, um aplicativo para tablets direcionado a crianças com TDAH” e o que eles ajudam no tratamento desse transtorno?


Primeiro é preciso entender o que consideramos como atenção conjunta, pois o reconhecimento de uma ação é uma habilidade amplamente compartilhada e tem uma história evolutiva bastante profunda. A capacidade de analisar as ações do outro e antecipar os resultados da ação é fundamental para que qualquer tipo de vida social coordenada seja possível. Assim, o estabelecimento de interação colaborativa só pode ser alcançado por animais percebendo mutuamente ações visíveis do outro. E através da “leitura” de orientações de cada um, seja "mera" orientação, ou com uma amostragem adicional de apontar, é que a orientação conjunta pode acontecer.

E como ocorre essa orientação conjunta e qual sua importância para o processo aquisicional?

Bruner (1975) é um dos primeiros teóricos a discutir a teoria da atenção conjunta. Partindo da ideia de que as crianças se inserem em trocas interativas com os adultos que a cercam desde o nascimento, o autor traz o conceito de atenção conjunta como uma ação que se constrói sob um formato triangular que envolve adulto, criança e um objeto qualquer. Ou seja, quando adulto e criança estão envolvidos num processo atencional direcionado a um tópico qualquer. A partir desse momento, quando adulto e criança são capazes de estabelecer “cenas de atenção conjunta”, que modifica a forma como ela enxerga a si, ao outro e ao mundo que a rodeia, em outras palavras, os três pilares da atenção conjunta. Isso permitirá dentre outras coisas, regular, manter e reconhecer a atenção entre o parceiro na troca interativa e o objeto ao qual presta atenção juntamente com o outro. Desenvolver essa capacidade só é possível porque agimos cooperativamente, a partir de enquadres de nossa cultura.

Esse processo atencional envolve diversas etapas: acompanhar o olhar do outro, a criança acompanha para onde o adulto está olhando; usar gestos indicadores para demonstrar para o parceiro para o que/quem se olha; interagir com o outro parceiro acerca do que/quem se olha com vistas a uma ação qualquer: ir buscar o objeto, comentar algo sobre o mesmo, etc.

E foi com base nessa perspectiva de Tomasello que desenvolvemos em nosso Laboratório de Aquisição da Fala e da Escrita, o LAFE, um aplicativo para tablets com foco na atenção conjunta. O projeto recebeu financiamento do CNPq, através do edital MCTI/CNPq 84/2013, processo 371998/2014-0, destinado a criação e desenvolvimento de produtos em Tecnologias Assistivas (TA). Fomos aprovados como Núcleo Nascente e desenvolvemos o projeto AppAtention: um aplicativo para tablet direcionado a crianças com TDAH.

O AppAttention é um aplicativo com um jogo computacional voltado para crianças entre 2 a 5 anos com o objetivo de estabelecer a atenção conjunta. O jogo desenvolvido para tablets de 10 polegadas, utilizando a tela sensível ao toque como dispositivo de entrada e o som e as imagens da tela como dispositivos de saída. O jogo foi produzido utilizando o framework de desenvolvimento Unity 3D e possui plataforma visual bidimensional, desenvolvido para sistema Android. Além disso, os movimentos utilizados com a tela sensível ao toque ficam armazenados no tablet para uma posterior avaliação do resultado da criança. A produção do aplicativo – nomeado de @Mimi contou com uma equipe multidisciplinar da UFPB e do IFPB composta por linguistas, desenvolvedores e designers gráficos. Os linguistas responsáveis foram eu e José Moacir S. da Costa Filho, à época doutorando. Além de publicações, @Mimi possibilitou a construção da tese de doutorado de José Moacir, ainda inédita. O roteiro tem como foco os cuidados em torno do gato Mimi – Figura 1.

Figura 1 - Gato Mimi Figura 2 - Personagens do jogo

Após escolher o personagem que será no jogo, a criança passa de uma fase para outra dialogando com uma narradora representada apenas por uma voz feminina, esta integrante tem o conhecimento total das ações propostas e desempenhadas ao longo do jogo Mimi©. Cabe à narradora o lugar do adulto no contexto do aplicativo e, por assim ser, sua tarefa é explicar as situações, dar pistas, introduzir os comandos, dar o retorno sobre o acerto ou o erro do jogador ou jogadora, como se estivesse guiando o usuário em seu “passeio” pelas fases de Mimi©. A essa narradora pertence um espaço privilegiado, do qual ela observa as ações do jogo e media toda a interação que possa existir entre o usuário e os componentes do jogo. No entanto, como sua atuação é assíncrona em relação à ação do usuário, diferentemente do que acontece na interação entre adultos e crianças na vida cotidiana, os comandos da narradora são previsíveis e não podem ser reconstruídos na medida em que o jogo ocorre para melhor auxiliar seus usuários frente às dificuldades de execução das tarefas.

Havia dois contextos de ação no jogo Mimi, o quarto da personagem (criança responsável pelo gato) e a cozinha da casa da personagem, como pode ser visto nas figuras 3 e 4 respectivamente:

Figura 3 – Quarto da personagem Figura 4 – Cozinha da casa da personagem

Organizado em dez fases, nas fases de 1-5 a criança escolhe um personagem – figura 5 - que desempenhará ações para/com o gato e nas fazes de 6-10 o personagem sai da cena e a criança é imersa no jogo assumindo o o papel do personagem. Como pode ser visto na figura abaixo:

Figura 5 - Menu de personagens

As fases do jogo envolvem as seguintes ações a serem desempenhadas pelo personagem e/ou pela criança jogadora:

A figura abaixo ilustra as 10 fases do jogo descritas acima.


O jogo foi validado através da tese Atenção conjunta: o jogo da referência linguística na realidade virtual (2015), de autoria do José Moacir Soares da Costa Filho, defendida no PROLING da UFPB sob minha orientação. Aplicamos o jogo numa escola privada de João Pessoa, vinte e cinco crianças entre 02 e 05 anos participaram do jogo que teve a mediação da coordenadora pedagógica da escola. Uma vez que era ela a pessoa que apresentava o jogo às crianças e as convidava a jogar. O que constatamos na aplicação e que serviram de embasamento para as discussões postas na tese de Costa Filho (2015)?

Partindo exatamente da relação assíncrona que se estabeleceu entre a criança e seu interlocutor virtual – a narradora - e no processo de atenção conjunta virtual constituído entre estes sujeitos, percebemos as habilidades presentes no uso do jogo, a saber: 1. O Acompanhamento do olhar e atenção conjunta, demonstra-se quando a criança olha para a tela do tablet e, em seguida, acompanha com o olhar os direcionamentos do jogo dados pelo narrador, culminando no estabelecimento da atenção conjunta. 2. A manipulação social e comunicação cooperativa, é representada pelo gesto de touch, uma forma de apontar na realidade virtual para movimentar o objeto foco da atenção conjunta e cumprir as tarefas do jogo. 3. Uma vez estabelecida a atenção conjunta virtual da criança com o jogo, a atividade de grupo e colaboração acontece envolvendo criança, narrador e personagens no momento em que “o usuário interage com o narrador, que media a colaboração entre criança e personagem [...], com o objetivo de cuidar do gatinho” (COSTA FILHO, 2016, p. 155). 4. A aprendizagem social e a aprendizagem instruída, por sua vez, estão relacionadas, respectivamente, ao conhecimento prévio que as crianças participantes da pesquisa detêm sobre como utilizar o tablet, o que permite as ações durante o jogo, e à compreensão dos comandos que instruem a criança sobre o que fazer e como fazer para cumprir a tarefa requisitada pelo narrador.

Em qualquer uma das habilidades está presente a ideia de que uma atenção conjunta atual – as cenas de atenção conjunta construídas ao longo das diversas interações com adultos ao longo das interações da vida da criança - serve de base para a constituição do formato virtual dessa interação com o jogo – na pessoa da narradora, dos personagens humanos e do gato -. Entretanto, a atenção conjunta atual é especialmente destacada na atividade de grupo e colaboração, quando observamos o papel da professora que acompanhou as crianças no momento em que elas jogaram com Mimi©, tornando-se um possível interlocutor atual para as crianças em atenção conjunta com o jogo.


TDAH e Atenção Conjunta: a meta do jogo Mimi©


Uma das principais características de crianças com perfil de TDAH é a dificuldade de concentração em atividades interativas, em especial a atenção conjunta. O jogo, portanto, configura-se como uma ferramenta de acesso da criança com perfil TDAH a cenas de atenção conjunta – estrutura base para qualquer capacidade atencional, possibilitando também a construção interativa por crianças com esse déficit de atenção.

Atualmente, em parceria com a Clínica de Fonoaudiologia da UFPB o aplicativo está sendo utilizado em crianças com suspeita e diagnóstico de TDAH, para validação também nessa população. Como também em outras síndromes e transtornos que necessitem explorar essa estrutura constitutiva básica que envolve os processos de atenção conjunta na aquisição da linguagem.


12. Qual a diferença no processo de ensino-aprendizagem em uma criança com déficit de atenção em relação às demais?


Estima-se que de 3% a 7% das crianças norte-americanas com idade escolar apresentam TDAH e no Brasil, alguns estudos em populações de crianças brasileiras em idade escolar corroboram estes índices (ver SANTOS; VASCONCELOS, 2010).

De acordo com o DSM-IV-RTM (APA, 2003) três subtipos do transtorno foram definidos para o TDAH, com predomínio de: (1) desatenção, (2) hiperatividade/impulsividade e (3) combinado. Assim, é possível um diagnóstico que acuse a presença ou não de hiperatividade. O TDAH Combinado se caracteriza pela presença de seis ou mais sintomas de desatenção e seis ou mais sintomas de hiperatividade-impulsividade.

Nesse sentido, tais dificuldades irão comprometer principalmente o processo de leitura, que envolve múltiplas compreensões: no plano do código – como o SEA se organiza; no plano do uso – que gênero é o mais adequado para aquela situação linguística, dentre outros. Com a capacidade atencional prejudicada esse processo torna-se de muito custo, e em decorrência disso, há o desinteresse pela aprendizagem e, muitas vezes, o abandono da escola. Considero que o uso do aplicativo poderá mapear essa dificuldade em idades iniciais e será possível desenvolver atividades que potencializar tais processos atencionais, contribuindo para o melhor desempenho ao longo do processo de escolarização.


13. Sabemos que, em relação à Aquisição da Linguagem, existe a perspectiva interacionista e a perspectiva inatista, sendo você pesquisadora que se filia à primeira, que distinções fundamentais há entre elas, podemos entendê-las como complementares ou somente como mutuamente excludentes?


Defendo a ideia de que elas não são excludentes, mas complementares. Mas há distinções fundamentais acerca de como concebem a língua. Tanto no inatismo quanto no interacionismo, há diversas vertentes internas, no inatismo há os que consideram o processamento – o grupo do LAPROL- e outros não – os mais gerativistas; no interacionismo há os que consideram a cognição social – estou nessa vertente - e outros não – os mais estruturalistas. Mas, como destacam Hilário; Del Ré (2015, p. 58), “[e]mbora a área de aquisição da linguagem tenha certa tradição nos estudos descritivos, longitudinais e naturalísticos – como, por exemplo, a publicação de Darwin em 1877 sobre o desenvolvimento (inclusive da linguagem) de seu filho –, a partir dos anos 1970 as pesquisas direcionadas pela Teoria Linguística de Chomsky começaram a buscar, a partir de estudos experimentais, respostas para a questão da aquisição da linguagem. À luz do gerativismo de Chomsky, o problema da aquisição seria originalmente concebido como um problema de identificação da língua materna pela criança (seleção de uma língua num conjunto de línguas possíveis) (cf. CORREA, 1999).”

São olhares diferentes para objetos diferentes, já que os dados naturalísticos, mais comuns em pesquisas qualitativas, sustentam principalmente análises sobre a produção linguística da criança, enquanto os dados experimentais, bastante comuns em pesquisas transversais e quantitativas, possibilitam a análise do processamento linguístico, bem como da percepção e compreensão. A articulação entre eles garante uma visão do todo que compõe a língua numa perspectiva psicolinguística e aquisicional.

__

Agradecemos à professora Drª. Marianne Cavalcante pela disponibilidade em responder nossas perguntas.

91 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page