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Entrevista: Professor Ricardo Augusto de Souza (UFMG)

Entrevista realizada por: Rosilene de Sousza, Priscila Cézar, Helayne Mirelly, Luiz Gustavo, Isabelly Lima e Kennedy Matias (Letras - UFPB).


1. Professor Ricardo, toda jornada acadêmica possui suas peculiaridades, com desafios e conquistas. Você poderia nos contar um pouco de como iniciou essa trajetória e quais acontecimentos fizeram com que você escolhesse a Psicolinguística como área de atuação?

A minha trajetória tem de fato algumas peculiaridades! Durante meus anos da educação básica (em minha época, os primeiro e segundo graus) eu fui um aluno absolutamente fascinado pelo estudo da língua inglesa e da língua portuguesa, e também de literatura. Desde que fui alfabetizado me tornei leitor voraz, seguindo um sólido exemplo dado por meu falecido pai. O inglês era um caso a parte, uma verdadeira história de amor. Eu era na infância um péssimo esportista, do tipo que os amigos não queriam nos times das peladas rsrsrs. Pois tudo que aparece sobre emoção e dedicação nas narrativas de crianças e adolescentes que jogaram bola, eu tenho na minha narrativa de aprendiz de inglês.

Pois bem, apesar disso, no primeiro ano do segundo grau eu descobri um pouquinho das ideias do cara cujo nome aparecia na então enigmática frase(e que fora de um contexto enunciativo soaria até agramatical) “Freud explica”… rsrsrs. Para quê? Tive a profunda certeza que meu objetivo de vida era estudar Psicologia na universidade, ou “fazer o vestibular para Psicologia”, como eu provavelmente falava naquela época. E assim fiz, a despeito da clara vocação que eu tinha para Letras.

Acontece que, apesar das origens de classe de meus pais serem sob múltiplos aspectos a situação típica da classe operária, algumas circunstâncias da história de minha família me possibilitaram atingir um nível bastante bom de proficiência no inglês muito precocemente. Aos 18 anos eu fui contratado como professor de inglês em uma rede de escolas que foi muito forte em todo o país, especialmente nos anos de 1980 e 1990.

Eu descobri a Linguística e sua relação com os processos cognitivos e mentais humanos no curso de Psicologia da UFMG, no qual obtive o título de Bacharel. Isso aconteceu especialmente em uma disciplina optativa intitulada justamente Psicolinguística (era na verdade um curso que objetivava uma introdução à teoria psicanalítica de Jacques Lacan, mas que antes de chegar nesse assunto passava com muito detalhamento por Saussure e o estruturalismo, abordava a guinada cognitiva do pensamento Chomskiano e nos apresentava até mesmo aos estudos sobre variação sociolinguística). Um outro encontro, esse sim com o que hoje entendo por Psicolinguística, se deu em uma disciplina obrigatória intitulada na época Psicologia Experimental III, cujo conteúdo era psicologia cognitiva. Houve também algumas pinceladas bastante vivas de conceitos fundamentais do estudo da linguagem em Psicologia Escolar e Problemas de Aprendizagem e em Psicanálise e Linguagem, disciplinas que cursei em meus anos de graduação no Departamento de Psicologia da UFMG.

Acontece que eu nunca exerci a profissão de psicólogo. Ao contrário, fui me ocupando cada vez mais do ensino do inglês. Após minha graduação, acabei vindo a atuar em postos vinculados à coordenação pedagógica de uma escola de línguas onde trabalhei. Em um dado momento, eu estava decidido a me candidatar a novo vestibular para cursar Letras, mas nessa época, por sugestão de uma professora já aposentada da Faculdade de Letras da UFMG, com quem eu fazia um curso de capacitação, me sugeriu que talvez eu devesse me encaminhar para a pós-graduação em estudos linguísticos, uma vez que eu tinha interesses muito definidos e já alguma reflexão na área, por causa de minha prática profissional da época. Ouvi o conselho. Em 2003 eu obtive o doutorado, em Linguística Aplicada.

Minha inserção como professor universitário de inglês e pesquisador em Linguística sempre esteve vinculada tanto à análise e descrição da organização linguística do inglês quanto à aquisição de segunda língua. Mas a partir de um certo ponto, eu larguei um pouco a aquisição e passei a me interessar por fenômenos do processamento da linguagem por falantes de L2, o que não implicava necessariamente o exame em si da aquisição de L2, pois esse é um fenômeno que muito frequentemente passa a ser tomado como o pressuposto do objeto de estudo, não o próprio objeto. Foi neste momento que mergulhei de modo muito profundo na Psicolinguística do bilinguismo, pois é esse o campo que me oferece as ferramentas conceituais e metodológicas das quais preciso para trabalhar com os problemas de pesquisa que me motivam.

2. Quais os conceitos indispensáveis para se entender a Psicolinguística, seus alcances e seus limites dentro dos estudos sobre a linguagem humana?

Na abordagem da Psicolinguística que orienta o meu trabalho, os quadros conceituais fundamentais dizem respeito aos modelos da arquitetura da memória humana e seus subsistemas, e aos mecanismos relacionados ao que se denomina funções executivas (especialmente os componentes de memória de trabalho, os processos atencionais, os mecanismos de ativação e recuperação de informação e o controle inibitório sobre as representações mentais). Do ponto de vista da Linguística, quadros conceituais que salientam o caráter sígnico das expressões linguísticas e que propõem que as formas linguísticas são suscetíveis, em sua configuração, a efeitos de frequência, saliência e aos hiatos temporais dos episódios de uso são os mais centrais.


3. A Psicolinguística surge com a união da Psicologia e da Linguística, convergindo para compreender os processos que ocorrem na comunicação humana, no processamento e na aquisição da linguagem. De que forma essa junção contribui em estudos sobre indivíduos bilíngues?

A resposta da pergunta dois responde também a esta pergunta, sendo que apenas acrescento que a contribuição aos estudos sobre os indivíduos bilíngues reside no fato de que os problemas mais amplamente compartilhados pela comunidade científica internacional que se dedica ao estudo do bilinguismo são a questão dos mecanismos de controle linguístico dos bilíngues (ou seja, em que bases e dentro de quais limites esses falantes conseguem selecionar e manter-se usando uma de suas línguas, majoritariamente), e a explicação sobre a variabilidade dos comportamentos linguísticos dos bilíngues, o que engloba desde a proficiência alcançada na L2 até a perda de fluência perene ou ocasional na L1. São questões de fundo claramente cognitivo, para as quais não me parece ser possível tentar-se respostas fora de bússolas teóricas que tragam de modo muito explícito e com razoável detalhamento as relações entre linguagem e cognição humana em sentido amplo.

4. Que possibilidades ou métodos a Psicolinguística traz para identificar fatores que dificultem a decodificação linguística em bilíngues?

Para o tipo de estudo ao qual me dedico, que é majoritariamente o processamento da linguagem por bilíngues, os métodos da Psicolinguística baseados em cronometria mental (observação de tempos de reação), tanto comportamentais como neurofisiológicos, são absolutamente essenciais.

Esses métodos permitem a exploração de processos mentais subliminares, ou seja, não acessíveis à auto-observação introspectiva consciente, o que está solidamente estabelecidos na ciência psicológica desde seu surgimento como disciplina experimental, ainda no século XIX. Sem cronometria mental, temos pouquíssima ou nenhuma informação de interesse para o psicolinguista que estuda o processamento da linguagem por bilíngues, pois as questões que tipicamente investigamos pressupõem a existência de mecanismos e processos mentais subliminares aos comportamentos linguísticos observáveis, ou seja, mecanismos e processos mentais subjacentes à compreensão e formulação de enunciados ou a julgamentos explícitos sobre a aceitabilidade de manifestações linguísticas, por exemplo.

Por outro lado, um psicolinguista que estuda o bilinguismo com foco no processo de aquisição de L2 pode não necessariamente depender tão fortemente de cronometria mental. Esse estudioso certamente poderá encontrar na compilação e análise de corpora de dados do uso linguístico, e em vários tipos de tarefas de eliciação e compilação de verbalizações ou redação de enunciados, o tipo de informação e observação empírica que interessa para as respostas a suas perguntas de pesquisa e a verificação das hipóteses que lhe são relevantes.

Além disso, modelagens computacionais de base estatística e/ou fomentadas por corpora eletrônicos maciços são estratégias metodológicas que vêm ganhando importância cada vez mais decisiva tanto para os estudiosos do processamento quanto para os estudiosos da aquisição dos bilíngues. E esse tipo de metodologia vem se tornando igualmente cada vez mais central na Psicolinguística como um todo.

5. As articulações teóricas pensadas no início da Psicolinguística ainda são aplicáveis nos dias atuais, se sim, com quais mudanças?

Modelos fortemente modulares e baseados no pressuposto de operações simbólicas seriais estão hoje em dia praticamente fora dos debates em Psicolinguística do bilinguismo, especificamente.

Os modelos probabilísticos são a grande aposta. Esses modelos têm sido capazes de ofertar hipóteses e alternativas de explicação muito interessantes para problemas e perguntas científicas longevos no estudo dos falantes de L2, como por exemplo o porque do fator idade precoce de início de aprendizagem ser inequivocamente a variável que prevê com maior força a probabilidade de proficiência final indiscernível ou pouco discernível do desempenho linguístico de falantes nativos monolíngues. As tentativas de respostas a esse tipo de problema andavam pouco produtivas e com avanços bastante lentos e modestos antes dos referidos modelos probabilísticos ganharem notoriedade e importância para os estudiosos do bilinguismo.

6. Atualmente, tendo em vista os grandes avanços relacionados à aquisição da linguagem, o processamento e a cognição, quais as contribuições da Psicolinguística na interface com a educação?

São várias as contribuições, mas julgo que podemos dizer que há um núcleo em torno dos quais elas gravitam: ao tratar de hipóteses sobre os processos cognitivos subjacentes ao processamento da linguagem, a Psicolinguística informa-nos também sobre o ônus cognitivo de diversas facetas do uso da linguagem. Essas informações podem ter grande utilidade para o fomento de estratégias e pedagogias que facilitem os processos de aprendizagem, levando-se em conta as diferenças individuais nas capacidades cognitivas e no desenvolvimento de habilidades específicas para os vários tipos de desempenho linguístico de aprendizes. A pesquisa psicolinguística encerra um enorme potencial para o fomento de práticas educacionais sensíveis às exigências cognitivas impostas pela proficiência no uso da linguagem, seja ela a L1 ou a L2.

Se aliada ao conhecimento acerca dos impactos dos modos e condições de socialização sobre as capacidades cognitivas humanas, entendo que a Psicolinguística poderia ter um papel decisivo na busca por inclusão e democratização na educação.

7. Quais dificuldades metodológicas um pesquisador da área da Psicolinguística pode encontrar no desenvolvimento de seus estudos?

São várias rsrsrs… Mas sempre me chamou a atenção especialmente o fato de que a pesquisa de alta qualidade em Psicolinguística exige competência no conhecimento acumulado da área e em técnicas e métodos de investigação que têm um altíssimo grau de sofisticação. Não me parece plenamente exequível um único pesquisador atingir o nível de competência exigido para a pesquisa de alta qualidade em todos eles.

Assim, a única possibilidade de execução de pesquisas de alto calibre é a associação entre pesquisadores, que trabalharão em rede com vários perfis de expertise, ou seja, de especialização de alto nível. Este é um aspecto no qual a área de Psicolinguística se assemelha muito mais às ciências da natureza do que a muitas áreas das ciências humanas que dependem mais da erudição e da profundidade da leitura sobre um dado assunto do que de distribuição de tarefas. Tais áreas das ciências humanas permitem que o rigor no estudo, o talento, a sagacidade e a inteligência do pesquisador individual sejam suficientes para que resultados brilhantes sejam alcançados.

O “problema” é que nós estamos nas ciências humanas, sem dúvida alguma (e eu tenho profundo orgulho disso!). E aí nos acabamos tendo como ideal de atuação um modus operandi que discrepa da cultura dominante de nossa grande área. Me parece que disso resulta não ser muito fácil fazer com que a formação de redes de colaboração e parcerias avancem significativamente além da manifestação de boas intenções, por várias razões. Em outras grandes áreas, parece-me que isso é mais fluído e evidente, pois os estudantes se formam em ambientes onde nem sequer há alternativa para prática de esforços em redes de cooperação na busca de avanços para as disciplinas científicas. Equacionar isso desde o início da participação de estudantes de graduação em projetos de IC me parece um dos grandes desafios para nós formadores dos futuros continuadores da Psicolinguística brasileira.

8. Sabendo que uma criança, em sua fase de aprendizagem, compreende ações e reações através da convivência em sociedade, como sucede, a partir de pesquisas feitas em sua área, para a criança adquirir e processar uma língua estrangeira ao mesmo tempo que a sua língua materna em um contexto de bilinguismo familiar?

Tipicamente de modo natural e sem eventos traumáticos relacionados à aprendizagem de duas línguas. O que acontece com bastante frequência, de acordo com a documentação de pesquisa, é que o vocabulário em cada uma das línguas tende a ser menor que o de uma criança monolíngue. Mas isso não pode ser de modo algum interpretado como um déficit geral no desenvolvimento lexical causado pelo bilinguismo. Se se considera o vocabulário total da criança, sem separá-lo por língua A ou B, usualmente não há evidência de que o bilinguismo retarda o desenvolvimento lexical.

O menor léxico em cada uma das línguas, comparativamente ao monolíngue, se dá pelo fato de que os bilíngues normalmente usam suas línguas para domínios distintos (definidos pelos assuntos normalmente neles tratados, os interlocutores que costumam participar e até os gêneros discursivos que os tipificam). Mesmo crianças pequenas que são expostas a línguas diferentes tendem a associar uma das línguas para um tipo de brincadeira, um perfil de interlocutor, etc.

Não é natural ao bilinguismo o uso absolutamente idêntico de duas línguas para um mesmo conjunto de funções e objetivos comunicativos. Lembrem-se que ao observar o comportamento linguístico de bilíngues, é importante levar esse fato em consideração, para evitarmos avaliar o desenvolvimento e as habilidades de bilíngues sobre bases equivocadas, consequentemente avaliando-os abaixo de suas reais capacidades linguísticas.

9. Sabendo que a aquisição da linguagem se dá com os três primeiros anos de idade, quais as dificuldades mais aparentes para se aprender uma nova língua aos 50 anos de idade?

Temos que considerar que as dificuldades às quais vocês se referem serão muito variáveis de pessoa para pessoa na idade que vocês mencionam. Teremos que perguntar sobre esta pessoa o quão hábil do ponto de vista cognitivo ela ou ele é. Uma pessoa nesta idade que exerce cotidianamente atividades que exigem muito de seus processos cognitivos (notadamente as funções executivas, às quais me referi anteriormente) provavelmente terá mais facilidade na aprendizagem de uma segunda língua que uma pessoa que deixou de exercer atividades de grande demanda cognitiva há vários anos, e essa segunda pessoa hipotética por sua vez terá mais facilidade comparativamente a uma pessoa que jamais teve oportunidades prolongadas de exercer atividades cognitivamente exigentes.

E temos que considerar também a motivação do aprendiz. Se ela for forte, ele ou ela provavelmente estará disposto a vivenciar situações de exposição e produção à nova língua que poderão contrabalancear o maior custo cognitivo para que aprendizagem dessa língua se consolide em sua memória.

10. Sendo o italiano uma língua que possui a mesma raiz do português e o mandarim uma língua não aparentada do mesmo português, com um garoto que tem os pais brasileiros e nasce na China e que os pais se comunicam em português com ele, o aprendizado do mandarim ocorreria com a mesma facilidade que o aprendizado do italiano se eles morassem na Itália nas mesmas circunstâncias?

Em tenra idade, provavelmente sim, o aprendizado de ambas as línguas ocorreria com a mesma facilidade, a despeito da grande distância entre o português e o mandarim, comparativamente ao português e o italiano, do ponto de vista tipológico.

A maior facilidade de aprendizagem de línguas tipologicamente próximas pode ser explicada em termos da aprendizagem implícita sobre quais pistas das construções linguísticas devem ser percebidas para a realização de diferenciações de função e significado. Línguas tipologicamente mais próximas podem ser estruturados com apoio a um conjunto de pistas ou marcas linguísticas razoavelmente análogas.

Uma hipótese que me parece bastante interessante e promissora como explicação sobre como fator idade entraria nessa história tem relação com a noção de que a própria detecção de pistas ou marcar/traços relevantes em uma dada língua é um comportamento cognitivo aprendido na experiência de processamento de uma língua, e consolidado com os anos de prática, ou seja, da repetição avassaladoramente frequente de tal detecção. A vantagem da criança em tenra idade pode residir no fato que essa criança ainda não teve tal aprendizado de detecção de marcas ou pistas suficientemente consolidado para que a sua supressão, para que outras pistas sejam processadas, tenha um alto custo em termos dos processos cognitivos envolvidos.

Esta questão nos permite voltar um pouco a minha resposta para a pergunta nove. É por isso que ao responder aquela pergunta eu falei que teríamos que considerar as capacidades cognitivas do hipotético aprendiz iniciante de língua estrangeira aos 50 anos de idade. Essa pessoa hipotética viveu décadas processando uma ou mais de uma língua, e as pistas que devem ser processadas para a compreensão ou produção de funções e significados contrastivos provavelmente estarão fortemente consolidadas. Para que elas sejam suprimidas em detrimento da detecção ou acionamento de outras pista, ou seja, do emprego de uma estrutura linguística de uma nova língua, esse aprendiz de 50 anos terá que dispor de recursos cognitivos suficientemente hígidos para a execução de uma tarefa muito mais complexa, do ponto de vista cognitivo, do que a realizada por uma criança que ainda está desenvolvendo suas habilidades linguísticas básicas naquela que será sua primeira língua, ou língua dominante.

11. Existe a possibilidade de se alcançar um nível de proficiência em que não se apresente sotaque ao falar duas línguas diferentes, sem ser em um contexto de bilinguismo simultâneo?

Sim, existe. Especificamente no tocante à implementação fonética da fonologia de uma segunda língua, que depende de esquemas motores, tipicamente são raros os casos de aprendizes tardios que alcançam a indiferenciação de uma dado subgrupo de falantes nativos (ou seja, o “falar sem sotaque”). Mas em relação a esta questão, raro definitivamente não pode ser confundido com impossível. De novo: entram em jogo capacidades cognitivas, aptidão, e certamente também atitudes em relação à integração com os falantes da segunda língua, o que modula a motivação maior ou menor para se buscar a acomodação aos padrões de pronúncia daquele grupo de falantes.

12. Como a compreensão do processamento na mente de um bilíngue pode ajudar na reflexão sobre o ensino e a aprendizagem de uma língua estrangeira?

Creio que a resposta aqui vai exatamente na mesma direção da resposta à questão seis, apenas acrescida da ponderação sobre ser a busca por um entendimento mais detalhado sobre os aspectos e as circunstâncias que produzem maiores interações entre as línguas do bilíngue o objetivo que mais interessa atualmente aos estudos sobre o processamento na mente de um bilíngue. Pois bem, tal entendimento pode fomentar o planejamento de estratégias didáticas que ajudem os aprendizes de L2 a superarem os efeitos dessas interações quando eles tiverem impacto negativo sobre a aprendizagem da L2.

13. Vários estudos mostram influência da Língua Materna (L1) na Língua Estrangeira (L2), como ocorre a influência de L2 em L1 e por que existem menos trabalhos investigando esse segundo tipo de influência em comparação ao primeiro?

Vamos começar pela segunda parte da pergunta. A minha hipótese sobre a menor frequência de estudos que têm por objeto as influências da L2 sobre a L1 é que essa situação reflete a prevalência dos trabalhos sobre aquisição no contexto dos estudos sobre a L2. Esse foco torna de certo modo natural que os fenômenos mais relevantes sejam relacionados aos estados de conhecimento e as capacidades de uso da L2.

O que é um fato é que o interesse em efeitos da L2 sobre a L1 parece-me rastreável, na história recente da Linguística, aos estudos sobre a erosão linguística especialmente de imigrantes de primeira ou segunda geração. Estou usando “erosão linguística” como o equivalente em português de language attrition, que é a expressão usada em inglês para caracterizar a perda de habilidades linguísticas na L1 e até mesmo a alteração de elementos estruturais de uma língua nativa em função de situações de intenso contato linguístico. E essa é uma temática que durante algum tempo foi encampada pelos estudos tanto em Psicolinguística quanto em Sociolinguística do bilinguismo (ou seja, a área genericamente denominada de Bilinguismo), não pela área reconhecida como Aquisição de Segunda Língua.

Mas vejam bem, o estado de coisas que eu descrevo acima começou a mudar com muita clareza nos primeiros anos deste nosso século. E mais uma vez eu tenho uma hipótese sobre o principal fator causal: o surgimento de propostas teóricas nos estudos da L2 que se propuseram a descrever e interpretar os estados muito maduros da aquisição de L2, ou seja, que trouxeram para o debate fenômenos pertinentes aos usuários de L2 que podem ser genericamente caracterizados como muito proficientes na L2. Vocês poderão verificar que a quase totalidade das hipóteses e teorizações sobre a aquisição de L2 erigidas entre a década de 1970 (período que marca a constituição da aquisição de L2 como área de estudos independente) e o fim do século XX tiveram como objetivo caracterizar os estados iniciais e o desenvolvimento que poderíamos denominar “intermediário” da aprendizagem de L2. Pois bem, essas propostas teóricas mais recentes, que buscam definir os limites últimos da aquisição, abriram uma possibilidade realmente ambiciosa: serem modelos unificadores da aquisição de L2 e da perda de habilidades e/ou reconfiguração da L1.

Sobretudo, é bastante fácil reconhecer nos dias de hoje que os anteriormente bem delimitados campos de estudo do bilinguismo e da aquisição de segunda língua estão se unificando. Basta conferir as chamadas e a programação de congressos internacionais de grande importância para os pesquisadores de L2, o que vem sendo publicado nos periódicos especializados mais prestigiosos, e o tipo de trabalho que sai publicado como livro sob selos editoriais dedicados a questões sobre a L2. E isso me parece só indicar que o estado de coisas da pergunta de vocês está em processo de mudança.

Agora a primeira parte da pergunta, sobre como ocorrem as influências de L1 para a L2. Meus caros, a busca pela resposta a esta pergunta, ao lado de quando e porque elas ocorrem, é exatamente o que motiva uma porção significativa do trabalhos de toda a comunidade científica que estuda o bilinguismo hoje me dia! Quem sabe vocês se juntarão a esses esforços? Não é trabalho simples, mas posso garantir que é altamente estimulante ao intelecto!

14. Quais os modelos de processamento sintático em bilíngues que você vê como os mais promissores na explicação dos fenômenos investigados na área?

Seguramente os modelos baseados em restrições, e muito especialmente os modelos probabilísticos tais como o modelo de surprisal.

15. Há evidências suficientes para que se diga que o léxico bilíngue é integrado e não separado?

Sim, há plena evidência de que o léxico bilíngue é majoritariamente integrado. Mas o mais importante para esse debate é se a integração ultrapassa o âmbito dos ponteiros lexicais (lexical pointers), ou seja, as representações de forma e adentram o âmbito das representações em rede, o âmbito lemático (nível semântico em sentido amplo e nível das configurações sintagmáticas).

16. Quais considerações você poderia fazer a um iniciante interessado na área da Psicolinguística, em breves palavras, para que ele fique interessado em saber mais?

Vou repetir as palavras que usei em uma parte de minha resposta à pergunta treze: Não é trabalho simples, mas posso garantir que é altamente estimulante ao intelecto!

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Agradecemos ao professor Dr. Ricardo Augusto pela disponibilidade em responder nossas perguntas.

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