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  • Foto do escritorMaylton Fernandes

Entrevista: Professor Dr. Denilson P. de Matos (UFPB)

1. Qual foi o fator determinante que o motivou a seguir os estudos da linguística na área do funcionalismo, pode nos contar um pouco da sua trajetória?


Sempre achei que ficava faltando alguma coisa, quando o assunto era o que acontece na realidade linguística, na sociedade, no mundo, nas nossas interações e no que a gente prevê ou projeta a partir de uma gramática tradicional ou normativa. Mas, na verdade, foi lá no meu doutoramento na UFF, Rio de Janeiro, que comecei a ter as primeiras aspirações, sensações do que seria a Linguística Funcional, que no meu caso é uma abordagem de Linguística Funcional Clássica (LFC). A partir dessa noção de Linguística e uso, de língua e uso, de gramática e discurso, a gente começa a se sentir um pouco mais próximo do que seria a nossa atuação enquanto professor, enquanto cidadão, enfim... Fui agraciado com a oportunidade de ter sido doutorando da Professora Mariangela Rios de Oliveira que hoje representa, faz parte do grupo top, que eu chamaria de a grande comissão de frente dos estudos da linguística funcional do Brasil.


2. De que forma a teoria funcionalista é aplicada em sua pesquisa nos dias de hoje?


Sem entrar no mérito do que seria a teoria do funcionalismo ou mesmo da aplicação da teoria em termo de pesquisa, eu acho que o grande diferencial hoje, enquanto profissional, acadêmico e estudioso da área é a noção da língua em uso. O uso talvez seja, pra mim, um ótimo objeto para se observar e analisar, o melhor “espaço”, “lugar”, uma ótima perspectiva para se refletir sobre a língua.


3. Com base na proposta funcionalista, em que a língua desempenha funções externas ao sistema linguístico, e que essas funções influenciam a organização interna desse sistema, como a teoria funcionalista poderia ser explorada no ensino de língua portuguesa?


Não sei se um olhar absoluto sobre o fato de a língua desempenhar uma função externa e extralinguística e que essas funções influenciem a organização interna desse sistema seja um posição mais segura. Eu sempre acredito que aquela noção gradiente que sustenta a nossa observação do objeto, de que ele pode ser um pouco isto, um pouco aquilo, até ser aquilo que a gente chama de protótipo, é meio que fundamento do que a gente chama de estudo da linguagem sob a perspectiva do uso. Neste sentido, penso que só essa própria noção de admitir que o uso vá trazer consigo as experiências e impressões culturais, internas e externas à língua, possivelmente trará algum tipo de impacto no ensino de língua. Ainda hoje, há muito que se fazer, atualmente, na nossa universidade nós estamos fundando, um grupo de pesquisa em Linguística Funcional e Ensino de Gramática sob a minha coordenação e a vice-coordenação de outro nome muito importante na linguística funcional que é a professora Maria Angélica Furtado da Cunha ( nome de porte e força, de envergadura na Linguística Funcional no Brasil). Este grupo vai em direção, exatamente, desta necessidade de que o Brasil precisa de mais estudos que vertam na direção do ensino de língua.


4. Pode-se afirmar que o funcionalismo se caracteriza por uma concepção dinâmica do funcionamento das línguas, em que a gramática é vista como um organismo maleável, que se adapta às necessidades comunicativas e cognitivas dos falantes. Tendo em mente o conceito de gramaticalização, como se dão os estudos dessa vertente na sua área de atuação? E como ela explicaria, por exemplo, a mudança ortográfica de uma determinada língua, há alguma relação?


Pela própria natureza da ortografia, ela compreende uma representação de um código que necessariamente não reproduz o que acontece no mundo “real da linguagem”, então, não teria nem muito sentido, pensar-se em ortografia. Todavia, não se deveria desprezar a possibilidade de que essa ortografia possa de algum modo representar certo recorte de comportamentos linguísticos anteriores (o que se convenciona e se identifica na ortografia).


5. O funcionalismo demonstra interesse em trabalhar a linguagem como instrumento de interação social, analisando a relação entre linguagem e sociedade. Enquanto isso, o chamado “sociocognitivismo” (da linguística cognitiva), enfatiza a importância do contexto nos processos de significação e o aspecto social da cognição humana, focalizando a linguagem como uma forma de ação. Considerando as duas teorias, que tipos de relações/interfaces existem entre a linguística funcionalista e a cognitiva, no que diz respeito a como o sistema linguístico revela o funcionamento da mente humana e como isso se reflete na experiência com o mundo?


Objetivamente, considerando a noção protótipo, pode-se afirmar que a mudança e a variação, cada uma em seu tempo, e não necessariamente as duas ao mesmo tempo ou as duas obrigatoriamente ocorrendo, indicam que os usos vão justificando e confirmando regularidades, mas que são nesses usos que nós vamos entender um pouco mais a língua/linguagem. Por exemplo, prioritariamente, no grupo de pesquisa (TLB) investigamos os pronomes átonos, (lhe, te, me, etc.) e por conta de uma natureza que o pronome tem de ser muito volátil, do ponto de vista de uma categoria “amarrada”, morfossintaticamente, mas que é absolutamente suscetível às interferências textuais e discursivas - por causa da sua capacidade anafórica e de referência – vê-se, nitidamente, que tais pronomes que no Brasil, deveria ocupar uma posição esperada, enquanto língua portuguesa (ênclise), enquanto colocação pronominal, no entanto, eles começam a vir para frente, na direção do verbo e antes dele, quando atuando em uma locução verbal. Neste sentido, não é só uma questão de colocação pronominal, mas quais são os motivos que fazem com que o pronome comece a flutuar nas estruturas, nas sentenças, no discurso. Sob o olhar da lingüística funcional Clássica (LFC) esse uso, em tese, não esperado, tem motivações semânticas, sintáticas e pragmáticas. Nesta acepção, por exemplo, podemos ilustrar a presença de uma abordagem mais cognitiva da linguagem.


6. O estudo da marcação no funcionalismo tem como ideia-chave “o contraste entre dois elementos de uma dada categoria linguística, seja ela fonológica, morfológica ou sintática. Um entre dois elementos que se opõe é considerado marcado quando exibe uma propriedade ausente no outro membro, considerado não-marcado.” (Martelotta,2008). Levando em conta essa teoria, e o fato de que as formas não-marcadas tendem a ser mais corriqueiras no exercício da fala, como a diferenciaçãodessas formas ajuda no exercício do ensino? E qual delas se torna mais expressiva em um contexto formal?


Não vamos conseguir, em algumas linhas, tratar disso de forma profunda como dever-se-ia, mas seguindo o raciocínio do gênero entrevista, eu diria o seguinte: a noção de marcado serve para mostrar uma atitude de uso e que esse uso tem motivações e tais motivações são da ordem do que seria sintático, semântico e pragmático. O esperado, prototípico, normalmente, regular, pode coincidir com o registro padrão da língua. Há uma afirmação consagrada, vinda da lógica da economia linguística (menos é mais) que estruturas menores são mais eficientes e interessantes para os falantes (já que são econômicas e comunicam, mesmo que sinteticamente). Por exemplo, a formação do futuro com uma única estrutura (ex: falarei) seria mais esperada e em tese o que for maior seria o mais marcado (noções de base cognitiva). Porém, a combinação de dois verbos para significar, funcionar como futuro é muito mais recorrente (regular), por exemplo: “vou falar” , no lugar de “falarei”. Assim, mais importante do que classificar como marcado ou não é saber por qual motivos isto acontece.

Neste sentido, enquanto professores de língua portuguesa, ter uma visão funcional nos ajuda a não esquecer que os alunos trazem consigo um conhecimento linguístico constituído para além da gramática normativa, sem ser caótico. E, certamente, seria um bom começo para abandonarem-se definitivamente as noções de certo e errado.


7. Sobre a Iconicidade no estudo do funcionalismo, mais precisamente sobre o subprincípio da quantidade, em que quanto maior a quantidade de informação, maior a quantidade de forma, ou seja, que a complexidade de pensamento tende a refletir-se na complexidade de expressão (Slobin, 1980),é possível associar o cerne dessa teoria à realidade das salas de aula, em que professores, quando muito complexos na transmissão da teoria, não obtém bons resultados, enquanto que os mais focados em associações simples e práticas tem uma experiência de ensino mais efetiva?


Particularmente, considero interessante o esforço de se associar aquilo que pensamos, estudamos e pesquisamos com a sala de aula. Acredito, inclusive, que em sentido latu em termos de cognitivo se você informa muito, você diz muito, não quer dizer, necessariamente, que você sabe muito. Podemos reproduzir as máximas de Grice: fala-se e não se traz muita informação ou se traz a informação desnecessária. Neste sentido, há alguma lógica neste tipo analogia.


8. O funcionalismo compreende a língua no seu uso social, focando a interação por meio da linguagem. Como você (e a área de estudos) se posiciona quanto ao certo e o errado dentro do ensino da língua portuguesa?


Em certa medida, eu já venho falando sobre isso nas outras questões desta entrevista. Suponho que esta discussão maniqueísta já não faça parte das inquietações da linguística funcional clássica e muito menos da linguística funcional centrada no uso. Discussões e hipóteses fundamentadas já deixaram na História da linguística grande lastro que refuta qualquer abordagem que decida observar a língua sob uma lógica do certo ou errado. Para nós, então, isto tem menor sentido ainda, pois acreditamos na gradiência: (+) mais isto e (-) menos aquilo. Ressalte-se, no entanto, que na educação básica ainda perduram preocupações do tipo sugerido na pergunta de vocês. Nesta acepção, então, não podemos considerar como problema superado. O registro padrão é um fato de consequências sociais, assim, seria muito ingênuo, de nossa parte, imaginar que no dia a dia da escola ainda não haja uma força grande sobre o que seria a língua “melhor”. Reforço, a fala de um gramático consagrado, meu professor na UERJ, Evanildo Bechara, que dizia em suas aulas e depois em sua gramática da Editora Lucerna (1999): devemos ser poliglotas em nossa própria língua. Portanto, opto pela substituição do par certo/errado por (+) adequado e (-) adequado.


9. O que você vislumbra, em termos de pesquisa, na área do funcionalismo para os próximos anos? Que novidades podemos esperar nesse campo da linguística?


É muito interessante e profícua as discussões que têm sido feitas hoje pelos pesquisadores brasileiros, a partir de uma noção de linguística funcional centrada no uso (LFCU), a noção de construcionalização. É um foco diferenciado em que o debate sobre o que seria forma e função se renova e vão indicando mais caminhos sem, no entanto, abrir mão do uso. Outro esforço que tenho notado nos linguistas funcionais é uma preocupação mais efetiva e sistemática com o ensino. Vejo este reenquadramento com um ganho, que com certeza, trará frutos muito positivos nos próximos anos. Na UFPB, por exemplo, no início de 2019, aprovamos, em departamento, nosso grupo de pesquisa Linguística Funcional e Ensino de Gramática (LFEG). Isto reforça meu argumento e coloca o PROLING e a UFPB nos trilhos da vanguarda funcionalista que se preocupa com o uso no espaço (físico e virtual) do ensino.


10. O seu projeto de pesquisa "linguagem nos espaços virtuais de aprendizagem e sua diversidade sob a perspectiva da linguística centrada no uso (linguística funcional)" pode servir de auxílio para entendermos determinadas estruturas semânticas utilizadas por usuários de redes sociais?


Este projeto que surgiu da experiência que tenho em outra linha de pesquisa (Linguagem Tecnologia, Letramento e EaD), principalmente, por conta desse universo linguístico que aparece com o advento da globalização, com o advento da Educação a Distância, com o advento das interações via internet. Por isto, como eu coordeno um curso de pós-graduação lato sensu - dois cursos na verdade - Ciências da Linguagem com ênfase no Ensino de Língua Portuguesa (CLELP) e Ciência da Linguagem com ênfase no Ensino de EaD (CLEaD), foi possível observar ao longo do tempo (dos últimos 6 anos), que há usos influenciados pela oralidade e há usos ainda forçadamente motivados pela escrita no espaço virtual, por meio de Ferramentas Virtuais de Aprendizagem (FVA) ou Ferramentas Virtuais Não exclusivas à Aprendizagem (FVNexA), conforme Matos (2019). E, certamente, nessa situação híbrida desse tipo de construção de texto, de interação, notam-se as interferências dos indivíduos, na escolha de usos (+) ou (-) esperados. Aliás, graças ao trabalho dos membros do TLB foi possível compilar o CorpusCLELP (com mais de 3000 páginas de textos resultados de interações em fóruns e outras formas de comunicação da plataforma moodle, onde hospedam-se os cursos lato sensu mencionados em questão e onde atuam professores e estudantes das disciplinas, dos tutores (as), predominantemente, da região nordeste do Brasil. Um rico material, por suas características peculiares, e que já foi utilizado por uma de nossas mais novas mestras em 2019. Objetivamente, a partir deste material, iniciamos, também, algumas observações para que se pudesse apresentar algumas análises de cunho sintático-semânticas, mas também discursivo-pragmáticas.


11. Durante o seu projeto de pesquisa, citado na questão anterior, algum comportamento linguístico diferente, por determinado grupo social ou regional, foi detectado no universo virtual?


Seria prematuro garantir que há comportamento linguístico diferente, ademais por não saber, exatamente, o que a palavra ‘comportamento’ empresta a esta pergunta. Termo, às vezes, caro para algumas abordagens linguísticas. De toda maneira, já se pode afirmar, por exemplo, que há muita influência da oralidade no texto escrito no CorpusCLELP, algo que já é consenso na academia. No entanto, não estamos tratando, necessariamente, daquilo que se alcunha hoje por internês, mas verificamos construções e combinações que se adéquam muito mais com a oralidade do que com a modalidade escrita. Fato que prova uma influência de usos orais numa estrutura, numa construção eminentemente escrita. Logo, por conta disso, é possível perceber-se alguns deslocamentos, alguns reposicionamentos, algumas referências que começam a se mostrar um tanto diferentes daquelas que se esperaria, por exemplo, num registro padrão, ou mesmo usualmente em textos escritos e gêneros menos científicos e formais.


12. Você poderia deixar algumas palavras para os alunos e iniciante interessados na pesquisa na área do Funcionalismo?


Primeiramente, qualquer pessoa que decida estudar linguística, que tem esta disposição/ amor/curiosidade/ pela língua/linguagem, traz consigo interrogações da época da escola. Neste sentido, via linguística funcional, é possível debruçar-se sobre tais questões (mesmo aquelas imaginadas como banais), movendo-se no campo da sintaxe, da semântica/pragmática na direção de encontrar sugestões e caminhos muito mais interessantes e críveis do que aqueles que fomos aprendendo e acumulando ao longo dos vários anos de aprendizado de/da língua portuguesa. E no final da aula, você se pergunta, quando não pergunta para o professor:


“- Professor, aprendo oração coordenada sindética adversativa para fazer o quê?”


Um linguística funcional terá alguma tranquilidade em dizer que:


a) Além da questão classificatória e nomenclatural é possível, por meio deste conhecimento do tipo de oração, saber algo mais;


b) Pontuação, por exemplo, que é um fenômeno, predominantemente, sintático. Aliás, vírgula de “respiração” pode ser no máximo entoacional, prosódica, estilística ou poética. Primeiramente, as vírgulas ensinadas na escola deveriam ser as sintáticas. Em outras palavras, ao classificar as orações em adversativas, se está indicando que logo após a conjunção adversativa espera-se o uso de uma virgula;


c) Ao classificar uma oração adversativa, também, se está afirmando algo de opositivo na ação apresentada, está é uma visão semântica emprestada pela conjunção, mas combinada um sentindo de toda oração;


d) Por fim, se um dia alguém perguntar por que a menina que dizia amar um péssimo partido para namorar, disser a sua mãe:

“- mamãe ele é assim péssimo partido, mas eu amo ele”


A oração sublinhada é adversativa, também, e provavelmente não é uma construção esperada sob o olhar do registro padrão. No entanto, ao fazer este uso, a menina deixa claro que não tem a menor intenção de deixar seu namorado. Pois, numa sentença como esta, será na oração adversativa que repousará a intenção mais forte do falante que fez uso da sentença para interagir. Esta proposição é muito mais discursivo-pragmática.

Outro exemplo: pensando-se em transitividade verbal e nominal (acreditamos numa transitividade oracional). O pronome lhe funciona, em tese, para objetos indiretos e mais do que isso é preciso considerar os argumentos exigidos pelo verbo, não apenas em termos sintáticos, mas pensar que é prototípico, sob a perspectiva da transitividade oracional de que pronomes átonos oblíquos do tipo lhe ocupem partes do texto numa narrativa, por exemplo, muito mais para figura do que para fundo. Nesse sentido, quanto mais o pronome lhe objeto indireto aparecer, mais se verificará características de construções narrativas. Então, ser capaz de identificar o pronome lhe e sua função sintática, pode me indicar porções textuais, bem como sinalizar tipologias textuais. Algo muito além da mera classificação.

Enfim, não se trata de eliminar o conhecimento classificatório ou nomenclatural, afinal, tudo tem nome, já diziam os gregos. O relevante, o essencial e não deixar o ensino ficar na mera classificação, como um fim em si mesmo. E quem tiver interesse em desbravar esta seara difícil, mas super útil e com resultados muito satisfatórios, sejam muito bem-vindos (as) (com hífen, kkk) .

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Agradecemos ao professor Dr. Denilson Matos pela disponibilidade em responder nossas perguntas.

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