Entrevista publicada no Volume 7 nº 2 (2018) da Revista Eletrónica de Linguística dos Estudantes da Universidade do Porto – Revista elingUP (<https://ojs.letras.up.pt/index.php/elingUP/article/view/5440/5137>).
O Professor Doutor Rodolfo Ilari é doutorado em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas e professor catedrático jubilado da mesma universidade, tendo recebido em 2015 o título de professor. É membro-fundador do Departamento de Linguística da Universidade Estadual de Campinas.
O seu trabalho de investigação inclui trabalhos nas áreas da Semântica, da Pragmática e da Didática da língua materna. Publicou diversos livros, alguns sobre o ensino de Linguística, e organizou os volumes III e IV da Gramática do Português Culto Falado no Brasil. Entre os seus trabalhos, está o capítulo “O português no contexto das línguas românicas”, da Gramática do Português, publicada em 2013 pela Fundação Calouste Gulbenkian.
A vontade de conhecer melhor o seu percurso e a sua perspetiva sobre diversos assuntos relacionados com o ensino e a investigação em Linguística esteve na origem desta entrevista, realizada no Centro de Linguística da Universidade do Porto, no dia 7 de junho de 2017. O resultado da entrevista foi uma conversa muito instrutiva, que convidamos todos a ler.
Boa tarde, Senhor Professor. Queríamos agradecer, mais uma vez, ter aceitado o nosso convite. Desde cedo começou a interessar-se pela Linguística. O facto de ter aprendido português como língua não materna contribuiu para que começasse a refletir sobre questões linguísticas ou houve influência de outros fatores?
Tudo tomou forma, digamos assim, na tradução. Eu sou do tempo em que não se ensinavam línguas estrangeiras via fala. O professor ensinava um monte de palavras. Me lembro, principalmente, das aulas de francês: você aprendia a pronunciar o /ә/, que para nós não era difícil, e o professor dava um monte de palavras francesas com /ә/. Escrevia todas aquelas palavras e a gente tinha que pronunciá-las e dizer o que significavam. Ao mesmo tempo havia as aulas de latim.
Nas aulas de latim, era inevitável que tivéssemos de traduzir um bom texto todos os dias. Eu traduzia latim-italiano, italiano-latim e desde o começo que gostei muito daquilo. Não gostava de estudar as declinações, mas achava muito interessante fazer com que, via sintaxe, tudo encontrasse explicação. Voltando um pouco atrás, eu fui para o Brasil com quinze anos, acabei a universidade com dezoito e, então, tive dois anos de aprendizagem de português. Tive a sorte de ter bons professores e, apesar de nunca ter pensado em ser professor de latim, pensei em ser professor de italiano e, mais tarde, de francês. Acabei por ser convidado para ser assistente de italiano, o que era, no fundo, um sonho antigo.
Tive um contrato durante dois anos na Universidade de São Paulo e, mais tarde, apareceu um convite para ser professor de Linguística na Unicamp. Fui para Campinas e fiquei lá quarenta e sete anos. Começámos num departamento novo - éramos quatro rapazes novos e estávamos numa casa que construíamos do nosso jeito. Era uma coisa que sentíamos que era muito nossa e acho que foi por isso que eu me tornei professor em Linguística.
O facto de eu gostar de línguas antes de aprender o português me ajudou a aprendê-lo com muita rapidez. Em um ano e meio eu falava, ainda que com um sotaque miserável e que não saía nunca. O sotaque se manifestava, principalmente, quando eu estava cansado. Há sempre algumas coisas da pronúncia que escapam, como, por exemplo, não nasalizar. Então, em situações de cansaço, eu começava a cantar!
Apesar de ter trabalhado em diferentes áreas da Linguística dedicou-se, sobretudo, à Semântica.
Porquê essa escolha?
Tem tudo a ver com a tradução. Quando você traduz, você tem que achar a palavra certa e dizer coisas que façam sentido. Aconteceu que, entre os quatro rapazes que formaram o nosso grupo, havia um rapaz mais velho que tinha sido perseguido pelos militares e resolveu estudar Linguística porque gostava muito da linguagem e, sobretudo, de Sintaxe. Tinha uma capacidade para a matemática muito grande. Era um terror porque nós morávamos na mesma cidade, perto de Campinas, e durante um ano subíamos no ônibus e ele queria sempre jogar xadrez comigo, mas sem tabuleiro! Ele se sentava do outro lado e dizia “A7 bispo” e eu fazia um esforço muito grande para acompanhar, mas não conseguia. Ele tinha uma enorme capacidade de abstração e isso levaria, naturalmente, para a Sintaxe daquela época, que era a Sintaxe Chomskyana.
Havia outro que gostava muito de Retórica e da Semântica de Ducrot. Tinha feito, inclusive, um curso de Semântica com Ducrot em França e procurava uma Semântica ligada à maneira como as pessoas se manipulam umas às outras. No entanto, eu descobri que havia outro tipo de Semântica - mais voltada para a maneira como as frases significam independentemente do uso que se faz delas. Me interessei por essa Semântica com caraterísticas mais formais e, de certo modo, tive a sensação de que eu tinha a obrigação de levar adiante esse projeto.
Em 1981, tive uma bolsa para ir para os Estados Unidos, onde fiquei um ano e meio, e fui parar a uma universidade onde estavam pessoas como George Lakoff. George Lakoff tinha passado por essa fase de Semântica Formal, mas queria já nessa altura uma Semântica mais livre. Então estimulava as pessoas a aparecer com assuntos diferentes e foi, ele próprio, atrás de assuntos diferentes. Quanto a mim, não é que eu acredite num só tipo de Semântica. Acho mesmo que vários tipos de Semântica são bons e se completam.
O Senhor Professor tem coordenado edições do projeto da Gramática do Português Falado, que tem procurado descrever os aspetos fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos do oral. Como é coordenar projetos desta dimensão?
Existe um professor do projeto da Unicamp com muita visibilidade, que é o Professor Ataliba Castilho - uma pessoa muito inquieta, com muita capacidade de reunir gente para trabalhar e com grande capacidade de fazer com que essa gente produza e se sinta bem produzindo, inclusive abandonando as outras coisas que estavam fazendo antes. O Ataliba inventou esse projeto da Gramática do Português Falado na década de 60 e muitas pessoas que hoje ainda são professoras participaram nesse projeto como estudantes.
Na década de 80, o Português Falado tinha 500 horas gravadas a necessitar de transcrição. Chegado esse ponto, Ataliba refletiu sobre o que fazer com esse material e passou para uma outra ideia: mostrar o que é uma boa amostra de língua falada. Em português, ou mesmo nas outras línguas românicas, é muito raro falar sobre a língua falada. Como é que as pessoas falam, afinal? Esse projeto teve uma fase de entusiasmo durante 10/15 anos e, de repente, por volta de 2000, o projeto esmoreceu. Sendo assim, o Ataliba teve outra ideia e foi nessa fase que integrei uma equipa.
Atualmente, o que eu estou tentando fazer é que se anotem coisas que sejam úteis no futuro para desenvolver um estudo sistemático sobre a evolução semântica do Português do Brasil (PB). Eu não quero que se faça só um estudo sobre o léxico. Estudar só o léxico é realmente interessante, mas já tem gente que o está fazendo e o está fazendo do ponto de vista histórico: em que ano entrou determinada palavra, por exemplo. Eu gostaria que se estudasse também a mudança de sentido das construções gramaticais, como, por exemplo, do passado composto.
Se você pegar os jornais de 1920/1930, metade dos valores para o passado composto são de passado recente e aos poucos você vê uma tendência para a repetição. Há pessoas interessadas em estudar este fenómeno, mas há muito pouco material e o problema tem sido aproveitar o pouco material que existe da melhor maneira possível. Outro exemplo é o conjunto de palavras só+que, que no PB vira conjunção. É equivalente ao mas e é um mas que se está generalizando. No entanto, a conjunção é na realidade apenas o
só. Então, nós estamos fazendo a história dos mapas do PB, da mudança do PB. Nós estamos fazendo aquele desenho que contém números e depois o leitor vai ter que traçar os números, fazendo a forma do cavalo. Eu acho que o leitor que vai comprar um livro com o título A história semântica do Português do Brasil vai perceber que há coisas novas para serem encontradas. É bom investir também nessas coisas novas.
O Senhor Professor publicou, em 2006, com o Professor Renato Basso, o livro O português da gente: a língua que estudamos, a língua que falamos. Em que medida há diferenças entre a língua que é falada e a descrição que é feita dessa língua? Considera, tal como alguns linguistas brasileiros afirmam, que existem duas normas do PB?
Aí é uma outra faceta completamente diferente. Como falei para vocês, eu comecei pensando ser professor de francês. Nessa época, o pessoal do francês nos dizia que a linguística era muito útil. Por exemplo, tinha uma ideia de que você tem de estudar muita fonética contrastiva. Eu tive uma professora que perguntava se tinha dificuldade em pronunciar, porque em francês /e/ é fonémico e / ә/ é fonológico. Em português não temos isso e os franceses têm dificuldade em pronunciar palavras como cana porque para eles a nasal não é fonológica no mesmo sentido. E nesse ponto, começamos a dizer “que bom, eu tenho pontos na linguística que ajudam”.
Mais tarde, apareceu a Sociolinguística dizendo que no Brasil as pessoas são muito discriminadas relativamente à fala. Então, começámos a aperceber-nos de que uma das funções da Linguística é combater a discriminação que ainda hoje é muito forte. No Brasil, eu vivi numa cidade que tinha cerca de 70/80 mil habitantes, dois cinemas e um gabinete de leitura que era não muito grande. Nesse mesmo gabinete, tinha ainda um piano que vivia desafinado. Portanto, não tinha o que fazer naquela cidade. Não havendo o que fazer, a gente assistia ou ouvia pela rádio as reuniões da Câmara Municipal, nas quais havia um vereador que era operário.
Um dia alguém disse para ele: “você diz nóis diz, nóis fala, nóis sabe, nóis quer. Antes de ser vereador, você deveria aprender a falar Português, porque aqui é uma Câmara Municipal e é para ter respeito. Gente como você não deveria ser aceite aqui.” Esse vereador respondeu simplesmente o seguinte: “Quando nóis diz que nóis faz, nóis faz. Quando vocês dizem que vocês fazem, vocês não fazem nada.” Tudo isto para dizer, simplesmente, que existem dois níveis de fala (um deles muito discriminado).
Vou contar mais um caso sobre esse preconceito. Eu tinha um amigo que estava a estudar para médico, conheci-o no colegial. Esse meu amigo tinha uma tia que morreu e, como era sozinha, deixou umas posses aos herdeiros que eram basicamente sobrinhos mais velhos que o meu amigo. Mas aí começou uma grande discussão sobre o que a tia queria que fizessem com as posses dela. E para saber, fizeram, então, uma sessão espírita para chamar a tia. Um dos participantes não acreditou ter falado com a tia, alegando que ela falava muito bem Português e não dizia “tá”, mas sim, “está”. A esse argumento, outra pessoa respondeu que não se sabia se a tia estava no inferno ou no céu, e que talvez no inferno o seu castigo pudesse ser passar a dizer “tá”.
Há ainda muito preconceito e a nossa obrigação é ensinar as pessoas a não julgar os outros em função desse preconceito, não ficar pelo estereótipo. Eu e o Renato tentámos lutar contra esse problema ao fazer esse livro. A ideia era dar uma quantidade de informação que não se dá na universidade e ter uma parte final que retratasse bem o preconceito. Eu não sou sociolinguista, nunca trabalhei nessa área, mas algumas ideias são muito claras e nós fizemos o livro com informações que vêm desde a origem do Português, passando pela sua propagação no Brasil.
Sendo o PB e o Português Europeu (PE) duas variedades da mesma língua com as suas semelhanças e diferenças, em que medida o Professor considera importante os linguistas colaborarem para aprofundarem o conhecimento sobre a Língua Portuguesa?
Em primeiro lugar, olhar uns para os outros, trocar ideias, conviver, se for possível, e não partir do princípio de que uma das duas variedades tem de ser a variedade. Por exemplo, em 2007, eu fui parar à Suécia. Eles tinham um curso de Linguística, mas depois eu vi que não se tratava nada disso. Se tratava de ensinar português como segunda língua, que é uma coisa para a qual eu não tinha nenhum preparo específico. Eu fiz o que pude, alguns alunos aprenderam alguma coisa, eu aprendi muito. Finalmente, eu saí quando chegou a idade da minha aposentadoria pelo sistema sueco.
Quando voltei ao Brasil, uma das primeiras coisas que encontrei lá era um termo que os alunos deviam assinar ao entrar no curso em português: se eles queriam aprender português do Brasil ou português de Portugal. E eu disse: “Isto aqui acabou”. Foi das poucas decisões que eu tomei. Se uma pessoa sabe falar português do Brasil, pode ter um pouco de dificuldade para entender português de Portugal, mas é uma dificuldade que, com a convivência, se supera e vice-versa. A ideia tem que ser de superar e não de separar. Isso vale tanto nesse nível da Universidade como no nível dos brasileiros que dizem: “Os portugueses falam de uma maneira engraçada”. Não! Nós também falamos de uma maneira engraçada para eles, é recíproco, não faz o menor sentido você querer separar as coisas.
Uma coisa que também seria muito importante para o pessoal que trabalha com a língua seria tentar conhecer-se e interagir mais. A sensação que eu tenho é que esse conhecimento foi sempre feito num nível muito alto e, pelo facto de ser num nível muito
alto, as pessoas que começam a interagir são pessoas que têm a sua formação completa numa ou noutra variedade. São pessoas como Ataliba Castilho, que já tem estado aqui inúmeras vezes, Fidelino Figueiredo, etc. O ideal seria que os novos linguistas, as pessoas mais novas, convivessem mais.
O acordo ortográfico de 1990, recentemente aplicado, constituiu uma tentativa de uniformizar a forma de escrever as variedades de língua portuguesa. O Senhor Professor julga que se cumpriu esse objetivo?
Na minha opinião, a ortografia tem de ser vista num contexto talvez mais amplo, que é o contexto da convivência. Eu acho que muita da resistência que se faz às mudanças de ortografia são resistências que provêm de interesses, por exemplo, das editoras, que não querem no mercado os livros que eram editados pela norma portuguesa. O mesmo acontece com os livros que eram editados na norma brasileira - não entravam facilmente em Portugal. O que é uma pena!
Para além da atividade de investigação, o Senhor Professor manteve-se sempre próximo do ensino.
Na sua opinião, é importante que os investigadores ensinem?
Eu tive sempre a sensação de que os órgãos públicos no Brasil mudam as pessoas que estão à frente em função de alianças políticas. Então, sempre que tem alguém, por exemplo, na Secretaria de Educação do Estado, essa pessoa muda muito e se sente obrigada a mostrar que está atualizada, que está na moda. Uma das formas que essas pessoas usam para garantir que estão atualizadas é convidar pessoas da universidade a participar na elaboração de instruções, normas ou guias. Eu me lembro de pelo menos cinco edições, só em São Paulo, de guias criadas pela Secretaria de Educação para os professores.
No entanto, nem sempre esses guias chegam à mão dos professores, nem sempre, quando os livros chegam à escola, o diretor dessa mesma escola os distribui. Também acontece a Secretaria de Educação ligar para uma universidade procurando o reitor ou diretor para pedir ajuda em trabalhos e revisões.
Eu, pelo menos, devo ter participado em quatro. Outra forma foi tentar escrever pequenas coisas que tocassem em pontos cruciais da intervenção do professor. Por exemplo, eu tinha uma ideia em relação à redação escolar: os professores pedem uma coisa e corrigem outra. Isto é, eles esperam que o aluno conte uma história. E uma história o que é? Tem um início, um meio e um fim. Tem um conflito. Se for uma boa história, tem um momento em que você pensa como é que vai acabar ou como tudo se vai resolver. Isso é história! Então, o aluno escreve uma história e o professor lê-a sem dar a menor atenção à história em si mesma e começa a corrigir: aqui tem um erro de concordância, aqui falta um pronome, aqui tem um erro de pontuação ou aqui tem um erro de ortografia. Eu acho que uma redação tem de ser corrigida como um texto, para evitar esse descompasso entre aquilo que é pedido e aquilo que é avaliado.
Mais recentemente, foi eleito um reitor que estava preocupado com a formação dos funcionários, uma vez que só tinham o curso de tipografia e ele queria também o de redação. Eu fui dar esse curso e tinha em frente umas cinquenta pessoas, todas elas de cinquenta anos para cima. Pensei fazer o seguinte: fazer com que eles contassem uma história – saíram histórias fantásticas! E aí aparece uma senhora muito humilde e começa a contar história de como ela arranjou um namorado numa festa no campo.
Nessa história, o problema é que a mãe tinha costurado uma saia, lavou-a e pendurou-a lá fora, no varal, mas a vaca foi lá e comeu a saia. Ela teve de usar uma saia mais velha e isso não impediu que a moça arranjasse um menino como namorado. Na verdade, a senhora escreveu essa história muito mal escrita, então eu arranjei-a e falei para ela ver como ela tinha escrito e como eu sugeria que fosse. Ela começou a ler a história, leu os dois primeiros parágrafos, mas cansou-se e continuou contando a história. Era alguém que não estava no mundo da escrita, estava no mundo oral e para ela era muito importante contar. Resumindo, foi das melhores aulas de redação que tive.
Você passa por uma experiência que lhe diz que às vezes a receita não é só Linguística, não é só coesão e coerência, é também você ver em que mundo as pessoas estão vivendo. O curso demorou cerca de seis meses e a sensação que tenho é de que essa senhora não virou escritora, mas entendeu que se você escrever a história de uma certa maneira, você vai ter mais leitores.
No que toca às crianças, é preciso que estas tenham um pouco de espírito crítico desde o início. Não precisa ser grande, desses de conclusões filosóficas. Este tipo de exigência não é no sentido de criar um monte de pessoas que queiram criticar, é no sentido de que, se você faz esse tipo de pergunta mais inteligente, as pessoas começam a dizer “Bom, mas aquilo tinha sido melhor. Se era isso que se queria dizer, era melhor ter-se usado uma outra palavra. A confusão saiu daqui.” Aí, você começa a fazer Semântica. Infelizmente, os livros não favorecem esse lado e os professores não vão atrás dele.
Qual é a realidade dos estudos linguísticos, atualmente, no Brasil e que caminhos aí se podem abrir no futuro?
Se eu fosse a falar só de Semântica, eu diria que é um caminho de muita dispersão, é um caminho onde as pessoas trabalham, muitas vezes, sozinhas. Não têm um hábito que seria fundamental, um hábito que é de uma pessoa que trabalha com um certo tipo de Semântica abrir o jogo para outro tipo de pessoas que trabalham com outro tipo de
Semântica. Então, as coisas não funcionam como vasos comunicantes, funcionam como vasos fechados.Tem pessoas que trabalham mais nas áreas interdisciplinares que não conhecem quem faz teoria. Eu, particularmente, sou velho, então, tenho a sensação de que, antigamente, as áreas eram mais integradas e também que as pessoas tinham mais cultura linguística geral.
Hoje, as pessoas entram numa certa linha, continuam naquela linha, e isso é culpa um pouco dos cursos também, porque os cursos muito frequentemente são currículos, nos quais você faz três/quatro disciplinas e você tem um mestrado, você faz cinco disciplinas e tem um doutorado. Houve uma época em que você fazia um exame de qualificação e nesse exame de qualificação você tinha de mostrar conhecimento em várias áreas.
Além disso, há um problema: as pessoas se formam em Linguística, vão trabalhar em cursos de letras e a chance de fazer pesquisa e de crescer é muito pequena, porque a profissão de professor é uma profissão que no secundário é um desastre, mas na universidade está-se tornando cada vez pior. A nossa profissão era uma profissão bem paga, valorizada, mas, hoje em dia, não. Hoje em dia, ganhamos menos, mas também não é que a sociedade nos valorize muito. Eu acho que tem uma certa sensação de crise da sociedade brasileira, na qual, enfim, os valores são outros. Os valores são de sucesso, dinheiro e, numa situação dessas, as pessoas não tentam se aperfeiçoar, progredir, no sentido de serem mais cultas, inclusive conviver com colegas de outras disciplinas.
O linguista, frequentemente, é uma pessoa que faz só Linguística, não faz mais literatura, não se interessa por poesia, não vai atrás dos filósofos, mas seria bom. Não vai atrás de Epistemologia, não vai atrás de Sociologia. Mas isso pode ser que seja simplesmente coisas de velho, a gente começa a ficar velho, a achar tudo errado. Lá, no meu tempo, pêssego dava em janeiro.
Agradecemos, mais uma vez, por ter-nos concedido esta entrevista. Gostámos muito de estar à conversa consigo, foi uma entrevista bastante interessante.
Espero não ter cansado vocês. Estou achando isso engraçado na minha vida: se eu dei quatro entrevistas foi muito, mas esta é a segunda entrevista que eu dou em praticamente três meses. Vocês talvez tenham sabido que eu virei professor emérito na Universidade de Campinas. Eu não sei o que significa emérito. Quer dizer, eu sei que sou porque me deram o papel a dizer que sou professor emérito. Até o meu neto um dia falou: “‘vô, posso levar esse papel lá para a escola para mostrar aos meus colegas?” E eu falei “não, não leva!” porque acho que eles não iam entender nada.
Por conta do título de professor emérito me fizeram uma entrevista na Universidade de Campinas e a pessoa que fez a entrevista é um jornalista profissional, era alguém que vinha pela Universidade e, para minha surpresa, me deixou muito à vontade, tal como vocês me deixaram inteiramente à vontade.
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Agradecemos à Revista elingUP pela gentileza e disponibilidade em sua parceria com o Linguisticamente Falando.
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