Entrevista realizada por: Maria Elizabeth Silva de Brito, Maria Paula Pereira de Carvalho, Sarah Narranna dos Santos (Letras - UFPB)
1. Professor José Ferrari, toda jornada acadêmica possui suas peculiaridades, com desafios e conquistas. Você poderia nos contar um pouco de como iniciou essa trajetória e quais acontecimentos fizeram com que você escolhesse a Psicolinguística como área de atuação?
Minha trajetória na Psicolinguística começou meio que por acaso. Eu havia entrado no mestrado da PUC-RJ visando estudar ensino de gramática da Língua Portuguesa, mas não havia elaborado projeto sobre isso, já que a PUC-RJ exigia projeto apenas a partir do segundo semestre de curso. Comecei a fazer as disciplinas de Sociolinguística, com o falecido professor Jurgen Heye, e de aquisição da linguagem, com a professora Letícia Correia, além de uma disciplina optativa na área de educação. Quando chegou a época de definir projeto e escolher orientador, fiquei na dúvida entre escolher os professores com quem eu já havia estudado ou escolher um professor que me era desconhecido. Nessa mesma época, a professora Letícia abriu vaga em seu grupo de pesquisa. Lembro-me que a parei no estacionamento da PUC para perguntar a ela se me aceitava no grupo...rsrs. para minha sorte, ela aceitou e passei a integrar o grupo, pesquisando sobre aquisição, e, posteriormente, fazendo as disciplinas de psicolinguística. Acabei ficando nessa área até hoje...rsrs.
2. Quais os conceitos indispensáveis para se entender a Psicolinguística, seus alcances e seus limites dentro dos estudos sobre a linguagem humana?
Como todo ramo do saber humano, a Psicolinguística possui muitos e bons conceitos, cujo domínio é requerido por todos os que querem fazer pesquisa de nível nessa área. Elaborar uma lista deles me parece algo complicado...rsrsrs. Mas, creio que os conceitos de gramática, com todas as suas nuances, em especial a de gramática internalizada, bem como o conceito de processador sintático, com suas características e propriedades, me parecem ser os mais fundamentais.
3. A Psicolinguística surge com a união da psicologia e da linguística, convergindo para compreender os processos que ocorrem na comunicação humana, no processamento e na aquisição da linguagem. De que forma essa junção contribui em estudos de casos patológicos, associados à comunicação?
As patologias de linguagem têm suas causas muitas vezes enraizadas nas bases cerebrais que sustentam a linguagem. Essas mesmas bases também dão suporte aos processos psicológicos associados à linguagem, como a memória, a percepção, a atenção, o raciocínio, etc. Ao mesmo tempo, a linguística de orientação mentalista concebe a linguagem como sendo também um processo de natureza psicológica. Então, uma compreensão das bases cerebrais e dos processos psicológicos pode iluminar nosso entendimento sobre o funcionamento da linguagem nesse mesmo nível, tanto no que se refere à linguagem padrão ordinária, quanto ao que se refere aos casos patológicos.
4. Que possibilidades ou métodos a Psicolinguística traz para identificar fatores que dificultem a decodificação linguística?
A metodologia de pesquisa em Psicolinguística é, em grande parte, herdada das ciências cognitivas, em especial, da Psicologia Cognitiva. Os resultados obtidos até aqui têm se mostrado promissores, evidenciando que são muitas as possibilidades abertas por esse campo de investigação, principalmente no que concerne a um melhor entendimento sobre o funcionamento da linguagem em nível mental. Uma vez que nosso conhecimento sobre esse funcionamento aumente, será mais fácil compreender os fatores que dificultem a decodificação, já que boa parte da pesquisa em Psicolinguística incide justamente na determinação dos fatores, internos e externos, que influem no seu processamento.
5. As articulações teóricas pensadas no início da Psicolinguística ainda são aplicáveis nos dias atuais, se sim, com quais mudanças?
Eu não diria que são aplicáveis, pelo menos não assim diretamente, mas diria que sofreram ajustes e ampliações de forma a dar conta das descobertas que foram sendo feitas. A Psicolinguística tem feito grandes progressos, desde seu surgimento em meados do século passado até os dias atuais. esse progresso é tanto teórico quanto metodológico, gerando uma quantidade bastante grande de resultados significativos. Obviamente que, diante disso, não há como manter intactas as bases teóricas iniciais, mas também não creio que seja o caso de abandoná-las totalmente. Podemos dizer que as questões colocadas originalmente ainda têm sua relevância, mas as respostas que foram sendo dadas foram se modificando ao longo dos anos.
6. Atualmente, tendo em vista os grandes avanços relacionados à aquisição da linguagem, o processamento e a cognição, quais as contribuições da Psicolinguística na interface com a educação?
Esse é um campo relativamente novo, e ainda é cedo para se falar em resultados concretos. Mas é inegável que as possibilidades de contribuição são enormes. Tudo o que se deseja hoje é que as condições para o estabelecimento dessa interface se ampliem, gerando mais e melhores contribuições a respeito.
7. Quais dificuldades metodológicas um pesquisador da área da Psicolinguística pode encontrar no desenvolvimento de seus estudos?
Muitas....rsrsrs. A metodologia experimental, base da pesquisa em Psicolinguística, requer um grau de atenção e meticulosidade na elaboração, montagem e aplicação do experimento que torna muitas vezes a tarefa de pesquisa bastante complicada, e é necessário seguir rigorosamente os protocolos estabelecidos para os diversos paradigmas experimentais existentes, sob pena de os resultados não serem nem válidos nem confiáveis. Por outro lado, o fazer científico é sempre rigoroso, de modo que seja fazendo Psicolinguística ou fazendo qualquer outra ciência, o que se exige do pesquisador é mais ou menos o mesmo: curiosidade, paciência e determinação para alcançar os seus objetivos.
8. Sabendo que uma criança, em sua fase de aprendizagem, compreende ações e reações através da convivência em sociedade, como sucede, a partir de pesquisas feitas em sua área, para essa criança processar uma língua?
A inserção em um ambiente linguístico é condição sine qua non para o desencadeamento do processo de aquisição de linguagem e desenvolvimento linguístico. Muitas correntes de estudos nessa área têm enfocado a descrição e caracterização desses ambientes e sua atuação no processo de crescimento de capacidades comunicativas e interacionais e no domínio de uma língua. a Psicolinguística de orientação mentalista, por outro lado, tem enfocado as habilidades iniciais de Processamento Linguístico, seja buscando caracterizar conhecimentos linguísticos inatos, numa linha à la Chomsky, seja determinando capacidades precoces de processamento, em termos do que a criança é capaz de reconhecer de informação linguística no ambiente. Em minha opinião, é a junção de todas essas pontas que nos permitirá resolver esse grande enigma que é o processo de aquisição de linguagem.
9. Quais considerações o senhor poderia fazer a um iniciante interessado na área da Psicolinguística?
Que procure se apoderar, sempre e cada vez mais, dos conceitos básicos da Psicolinguística, assim como dos seus procedimentos metodológicos. Isso fará com que a curiosidade científica jamais pereça, ao mesmo tempo que os tornará cada vez mais aptos a empreender pesquisas relevantes no campo da Psicolinguística.
10. De que forma a Psicolinguística pode nos ajudar na compreensão do modelo de língua adotado no programa minimalista?
O minimalismo pode ser um modelo teórico de difícil compreensão para aqueles que não estão muito afeitos aos desenvolvimentos da pesquisa em gerativismo. Para os iniciantes em Psicolinguística, também pode não ser uma tarefa simples avaliá-lo. Mas, de um modo geral, a sua assunção básica, que é a da forma da linguagem sendo determinada pela relação que ela mantém com as suas interfaces, é, sem dúvida, um ponto de contato bastante interessante entre a linguística teórica e a Psicolinguística. Assim, operações de geração de sentenças definidas no âmbito do minimalismo, podem receber uma nova roupagem, quando vistas sob a ótica da Psicolinguística. E certos construtos teóricos da Psicolinguística, como o de seleção lexical, por exemplo, podem ser melhor compreendidos quando analisados da perspectiva minimalista. Então, creio que a avaliação é positiva, tendendo a ser ainda mais, conforme as pesquisas integradas avancem.
11. As relações da filosofia da mente com as ciências da linguagem divergem em alguns aspectos e teorias, assim como o seu artigo “ciências da linguagem e filosofia – uma análise das relações entre linguística, Psicolinguística e neurociências sob a ótica da filosofia da mente” retrata. Qual seria a forma mais eficaz, em sua perspectiva, para fazer um link com a filosofia sem remeter-se ao reducionismo?
O Reducionismo é uma corrente em filosofia da mente e da ciência, mas é também uma atitude provocada por uma certa "cegueira" em relação ao que ocorre fora do âmbito específico de nossas pesquisas. É fácil se tornar reducionista e buscar explicações centradas unicamente em nossas descobertas e posições teóricas. Nesse sentido, conhecer o Reducionismo pela ótica de uma filosofia da mente crítica é crucial para evitar a redução desenfreada de uma teoria pela outra. No meu artigo, procurei mostrar os problemas envolvidos em uma postura reducionista, de modo a alertar os psicolinguistas sobre as implicações daí decorrentes. Espero ter sido bem-sucedido... rsrsrs.
12. Sabemos que, em relação à aquisição da linguagem, existe a perspectiva interacionista e a perspectiva inatista, sendo você pesquisador que se filia à segunda, que distinções fundamentais há entre elas, podemos entendê-las como complementares ou somente como mutuamente excludentes?
Como os postulados ontológicos e epistemológicos são muito diferentes, opostos até, é tentador vê-las como coisas mutuamente excludentes. É o que tem sido feito há muito tempo. Mas creio que isso decorre da relativa recência dos estudos científicos sobre aquisição, que sequer completaram 100 anos. É possível pensar em uma perspectiva que integre essas duas visões, mas só o caminhar da ciência, com sua velocidade típica, é que nos vai concretizar o que hoje é apenas uma possibilidade. Seja como for, exclusão não significa fechamento de diálogo - quanto mais nos mantivermos abertos à discussão, mais tenderemos a criar uma visão unificada da questão.
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Agradecemos ao professor Dr. José Ferrari Neto pela disponibilidade em responder nossas perguntas.
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